sexta-feira, 14 de julho de 2023

Ressonância...

 Ressonância...

Sábado, 10h40. Pontualmente estava na clínica como agendado. Formulário com um pequeno texto explicativo sobre o que consiste o exame, seguido de um questionário que buscava saber mais sobre minha condição física. Cirurgias, uso ou não de próteses. Objetos que sofram efeitos do campo magnético.  Coisas que ajudam a tencionar mais  o que eu iria viver durante os mais de 60 minutos naquela sala branca, com teto cheinho de luzes, como se fosse um céu estrelado, de fundo branco, dentro daquele tubo que nos remete aos filmes de ficção científica.

Concluída a fase de coleta de dados, preenchimento de formulário e questionário, emissão de guias, uma jovem com uniforme verde, me chama pelo nome, entrega um pacote com uma camisola para eu me trocar, pede pra eu tirar tudo o que era metal, e depois, mais algumas perguntas. A ressonância daquela manhã não era a minha primeira, e sim, este era o principal motivo de eu estar ansiosa. O fato de ficar deitada com o corpo dentro de um tubo, com um espaço de menos de 20 centímetros entre o nariz e a parte superior da cápsula, sem condições de se mexer, submetida a sons num período de mais ou menos  uma hora, não é confortável. É assustador, causa pânico.

Bem, sabendo de tudo isto e compartilhando experiências com outras pessoas, o que me restou foi  controlar a minha ansiedade, tentando manter o cérebro focado em outras coisas que não fosse desejar apertar a campainha, que os técnicos colocam em uma das mãos, para acioná-la em caso de necessidade. Já aconteceu de no primeiro minuto, em uma das ressonâncias, eu apertar, pedir para sair e não voltar para dar continuidade ao exame. Não queria passar por isto novamente, até porque interromper o exame significaria ter que enfrentar todo o processo novamente, que não é simples, nem fácil!

Começou. Os técnicos por microfone reforçam a necessidade de  me manter imóvel, sem mexer. Seriam três exames, iniciariam por um, cujo objetivo era investigar possível esclerose. Havia explicado que em um determinado momento eu deveria colocar na boca em tempos diferentes, uma seringa pequena, outra média e outra grande, segurando-as com a boca, sem movimentar língua, sem engolir saliva, enfim...aff! E dai-lhe barulho. Era uma playlist completa. De fundo e antes mesmo do início dos exames, a máquina já emitia um barulho, que mais parecia um som feito por DJ em festa trance. Tistum, tistum, tistum, num compasso simples, que permaneceria como Back Ground ou BG o tempo todo de duração dos exames. Depois foi introduzido um outro som, com outra batida, um martelo? Sim, o barulho era de som de um martelo metalizado. Uma, duas, três...sessenta vezes. Parou! Quantos minutos havia se passado? Dez, quinze? Quando dariam o comando para o momento das seringas? De repente, a voz do técnico: - D. Geralda? Tudo bem? A senhora está se movimentando? Engulindo? Eu disse que sim, estava engolindo saliva, secreções...E o técnico: - não pode D. Geralda, Teremos que começar tudo de novo! Fiquei sem acreditar... Jesus, será que vou conseguir concluir? Começar de novo?

Tudo bem. Vamos lá, eu vou conseguir. Vou tentar me ocupar dos barulhos. Quantas vezes cada som era repetido? O que significava cada tipo de som ali? O que eles mediam? Que imagem meu cérebro ia formando diante dos diferentes sons? E o volume? Sim, era num volume alto, digno de um show de rock. Era isso! Aqueles sons podem perfeitamente servir para compor um arranjo de rock. As imagens certamente dignas de um cenário psicodélico, que o digam os profissionais das projeções nos shows. O momento das seringas chegou, felizmente! Sinal de que estava dando tudo certo. Primeiro exame encerrado.  Mais barulhos – sons, intercalados de pequenos intervalos de silêncio. Minha sina naquela maca ainda não tinha chegado ao fim. Bora contar a sequência de batidas. Um, dois... trinta,  barulho ensurdecedor, cinqüenta, será? Esqueci...melhor pensar na história que me propus a criar para o Rafinha. O menino dos olhos azuis, da terra dos tubarões. Ok, mas não me vinha inspiração. Quanto tempo será que falta? Rayi Kena deve estar no final do vôo para Salvador. O barulho agora era diferente. O tempo está mais compassado, será que este som é a última etapa do exame? Trinta, trinta e um, cinqüenta, cinqüenta e nove, sessenta, sessenta e um... eu que o tempo todo mantive os olhos fechados, resolvi abri-los. Pela primeira vez consegui visualizar o tubo e a grade por cima da minha cabeça, sem sentir pânico. Quanto tempo será que ainda falta? Sessenta e quatro... de repente, silêncio. Um vácuo. Será que ainda tem mais alguma coisa? D. Geralda, tudo bem? Terminamos viu? Correu tudo bem. Gente, que sensação estranha... Acabou? Eu posso sair?

A jovem de uniforme verde entra na sala, aperta o botão da máquina que movimenta, me trazendo para fora do tubo. Ela me ajuda a sentar. Peço para esperar eu me recompor antes de me levantar, já que o movimento de levantar a cabeça, me causa tonturas. Levanto, olho para minha irmã que se manteve o tempo todo na sala, sentada, me acompanhando - o tempo foi tão longo, que ela estava ansiosa para sair dali e procurar um banheiro para fazer xixi. A sensação de alívio era tão grande, que me invadiu uma alegria e uma despreocupação com o momento seguinte, que há muito eu não tinha. Já sei o que fazer, quero bater perna e tomar uma cerveja!

Ressoa a vida, ressoa...

Imagens: RD Xavier(Internet)

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