terça-feira, 30 de abril de 2024

Humanidade Baixa

“O planeta ficou doente porque está com a humanidade baixa!” (Mafalda) Há muito tempo venho refletindo sobre as nossas atitudes em relação as misérias e tragédias humanas do cotidiano. A indiferença se tornou tão comum, que não conseguia conceituar as cenas, as situações envolvendo os seres humanos diante das mazelas sociais. Ao me deparar com a tirinha da Mafalda - personagem do cartunista argentino Quino - nas redes sociais e a frase que ilustrava a imagem, a qual usei para dar início a este artigo, entendi o significado das situações que rotineiramente protagonizamos e presenciamos. Cada vez mais as cenas de pessoas vivendo em condições subumanas como as pessoas em situação de rua, mendigos, crianças trabalhando em sinaleiros, usuários de drogas em espaços públicos perambulando como zumbis, pessoas idosas, deficientes físicos em dificuldades, são naturalizadas e invisibilizadas. É como se fosse normal a convivência com estas situações. Não nos sensibilizamos e nem nos incomoda ver as condições de sofrimento pelas quais estas pessoas vivem. Estando dentro de um carro com os vidros fechados, assistimos indiferentes a mais um pedido de ajuda, ou a venda de doces ou outros tipos de mercadoria. Agimos como se não tivesse ninguém a nossa frente ou do nosso lado. Nosso olhar perdeu a capacidade de enxergar o que aparentemente não nos diz respeito! Chegamos ao cúmulo da indiferença com o sofrimento dos outros, ou com a condição de pobreza e miséria vivida pelo nosso próximo, que fazemos coro as vozes insensíveis e que criticam quem se sensibiliza e colabora para minimizar o sofrimento desta parcela da sociedade. Conseguem marginalizar ainda mais os empobrecidos e já marginalizados pela sociedade, aumentando o fosso da desigualdade e negligenciando o fato de que a falta de políticas públicas, de educação, de trabalho digno, de políticas de segurança alimentar são fatores que empurram as pessoas para esta condição desumana, subumana. E assim, o nosso olhar anestesiado, a nossa conduta negacionista da realidade vão moldando uma sociedade que nega a própria humanidade preconizada pelo líder supremo do cristianismo. Está preocupada demais em defender verdades absolutas e colocá-las acima da vida humana. Cada vez mais se distancia do que nos faz diferentes dos outros primatas, a nossa humanidade! A frieza com que agimos frente a exterminação dos povos originários, ao genocídio de crianças palestinas, do povo afegão, com a violência e morte de mulheres mundo afora, com a violência e morte de pessoas lgbtqiapn+, com a fome, as guerras fomentadas pelo comércio de armas e o tráfico de pessoas. A ganância cega que empurra o nosso planeta para um caminho sem volta dá a dimensão do quanto às pessoas estão desumanizadas, a mercê daqueles que usam o poder em desfavor da Vida! A medicina nos ensina que adoecemos quando a nossa imunidade baixa. De fato, Mafalda tem razão, quando lembra que o nosso planeta está doente porque nossa humanidade está baixa! Humanidade baixa Geralda Cunha Radialista, jornalista, mestra em educação e ativista em Direitos Humanos

Sororidade

Vamos falar de um termo que se tornou muito comum quando se trata de movimento feminista: Sororidade. Afinal o que significa? O termo vem do latim Soror que significa irmã. Qual a importância da irmandade entre as mulheres? De exercitar a empatia, de se colocar no lugar da outra e entender sua dor, seus dilemas, suas vulnerabilidades numa sociedade estruturada no patriarcado e no machismo? A irmandade baseada na sororidade parte do princípio da capacidade de uma mulher compreender a outra sem pré-julgamentos, colaborando para a superação dos estereótipos preconceituosos criados por esta sociedade que teima em naturalizar as violências sofridas, sejam elas psicológicas ou físicas, que reproduz valores machistas que submetem nós mulheres, a todo tipo de violência. O patriarcado nos deixou um legado de construção social em que os homens foram educados para a competição no mundo dos negócios, da política, para o mundo público, enquanto as mulheres foram e ainda são educadas para o mundo da casa e da submissão ao homem. Neste modelo social, as mulheres vêem as outras como opositoras, concorrentes! Esta cultura é extremamente tóxica e faz com que ainda hoje, após tantas lutas e conquistas, nos vemos em conflito com outras mulheres, e o que é pior, reproduzindo estereótipos construídos pelo patriarcado, ainda que este modelo reforce a conduta de um agressor, um violentador, um autêntico machista, misógino, que não respeita as mulheres e as vê como objeto, propriedade e extensão sua! Os casos recentes envolvendo personalidades do mundo do futebol expuseram esta visão machista de forma assustadora! Inúmeras pessoas, inclusive mulheres, saíram na defesa do agressor famoso, utilizando os argumentos que reforçam os preconceitos contra as mulheres, desacreditando-as, não levando em conta a situação de fragilidade que se encontra a mulher vítima da violência sexual! Felizmente um movimento contrário, que garante os direitos das mulheres, criou um protocolo que identifica mulheres em condição de vulnerabilidade, como aconteceu no caso Daniel Alves. A atitude do segurança da boate local, que tinha conhecimento do protocolo e o colocou em prática, foi fundamental, possibilitando a prisão do jogador e os desdobramentos do caso, que é de conhecimento público. Ao refletir sobre a prática da sororidade, convido minhas irmãs a se espelharem nas histórias de nossas ancestrais benzedeiras, parteiras, nossas avós, mães, tias e irmãs que em um tempo não muito distante, e ainda hoje muito comum na região Norte do Brasil, onde o acesso ao serviço médico é muito difícil, se constituíam e constitui na rede de apoio de outras mulheres que cuidavam e cuidam umas das outras. A superação do patriarcado e a conseqüente superação da violência contra as mulheres, dos altos números de feminicídios e estupro, passa por esta reconexão com a história das nossas ancestrais. É fundamental praticarmos a empatia, a sororidade umas com as outras. Qualquer que seja o nosso lugar: de mulheres negras, indígenas, brancas, crianças, idosas, ricas, pobres, intelectuais, de periferia, ou que ocupam espaço de poder! A sororidade só tem sentido se exercida em sua plenitude, acima de todas as diferenças. Sororidade seletiva não é sororidade!