Noite de vinte e três de outubro, véspera de feriado em Goiânia.
Parecia que todos adolescentes e jovens da cidade
combinaram encontro em show com a dupla sertaneja do momento. A movimentação em
torno do clube onde aconteceria a apresentação era grande. Toda uma estrutura
montada com dezenas de seguranças revistando as pessoas e recebendo os
ingressos. A impressão que se tem é de ambiente dos mais seguros possíveis.
Seguindo a risca as dicas de como ser uma mãe presente,
amiga, companheira, estávamos ali, eu e minha irmã, levando nossas filhas
adolescentes para se unirem aos outros tantos. Em um espaço que definitivamente
eu não me sentia à vontade. A princípio porque o estilo musical não é o meu
favorito, mas à medida que o tempo passava e observávamos todo o cenário
montado para o show, percebíamos que algo de pobre estava no ar.
O show estava marcado para as 22 horas, com a apresentação
preliminar de uma nova dupla, aliás, como as duplas sertanejas têm terreno
fértil por estas paragens! Já passava do horário previsto, o grande salão,
palco do show, já tinha um número considerável de gente, mas certamente os
organizadores esperavam que ficasse repleto. Havia vários pontos de
distribuição de bebidas, o ingresso dava direito ao “open bar”, ou seja, na
compra do mesmo, a bebida fosse ela cerveja, refrigerante ou água estavam
inclusos. Dois grandes telões instalados
à frente mostravam intermitentemente outras duplas sertanejas brasileiras.
Aparentemente ninguém estava preocupado com o tempo, apesar do atraso, dezenas
de jovens revezavam-se ora no balcão de bebidas, ora em fila indiana observando
as “meninas”, bem ao estilo mauricinho, com chapéu de cowboy, muito gel no
cabelo e para impressionar, um cigarro acesso em uma das mãos. O que mais me
impressionou e não só a mim, porque valeu um comentário de uma das
estrelas da noite, foi a quantidade de crianças, isso mesmo
crianças com idade entre 11 a
13 anos experimentando bebidas alcoólicas e fumando!
O início das apresentações se deu com aproximadamente duas
horas de atraso. Todos os espaços do clube estavam repletos de gente. Não havia
brechas, não havia espaços. Havia muita gente. Já no show da 1ª dupla não eram
poucos os jovens que demonstravam descontrole motor, semblantes sonolentos,
nitidamente embriagados, mas a festa estava apenas começando! O show da dupla
principal só começou por volta da 1 hora do dia 24, e percebi que os ânimos de
alguns milhares de presentes já não eram tão festivos como no início.
Demonstravam descontentamento através das vaias. Porém a dupla politicamente
correta entra no palco e consegue contagiar os presentes com aqueles elogios
clichês e gestos que procuram envolver a massa.
Depois de algumas músicas cantadas e tocadas, um infeliz fã
joga um copo com bebida no palco. O outro integrante da dupla, que gosta de
performances com os instrumentos de corda, pára de tocar e manda que os
seguranças tirem o incauto da platéia. No que foi obedecido prontamente. Ao ser
retirado, sob sopapos dos seguranças, percebe-se que o fã estava nitidamente
embriagado. O show transcorreu normalmente, afinal a dupla sertaneja demonstrava
seu alto grau de profissionalismo!
No final das contas o show tão esperado pela minha filha,
parece não ter agradado. Antes que os cantores fizessem todo aquele ritual de
acaba, sai do palco e volta sob a ovação geral, a minha filha pediu: - Mãe
vamos embora? No que atendi prontamente, já passavam das 3 horas. Saímos às
pressas, mas deu para observar o quadro que deixamos para trás. O piso estava
totalmente molhado. Não era água. Era cerveja! O cheiro forte que vinha dos
copos, latinhas que se acumulavam pelo chão demonstravam como a bebida foi
fartamente distribuída aos presentes.
A volta para casa me ajudou a refletir sobre a angústia que
senti nos momentos que ficamos ali aguardando e assistindo ao show. É preciso
que nós pais sejamos mais perspicazes do que a indústria do entretenimento que
cuida de criar novos consumidores. A idéia que passam desses espaços é que é um
espaço para toda a família e de fato, muitos estão acompanhados dos pais e dão
os primeiros goles ou as primeiras tragadas com a conivência deles. Essa
indústria que simula um jeito simples de ser, que usa um jeito jocoso de falar,
que fala em nome de Deus e do amor, que cria uma intimidade com a platéia, é tão
perniciosa quanto outros espaços e lugares em que nós pais nos indignamos só de
pensar na possibilidade de ver nossos filhos freqüentarem.
Precisamos ser mais perspicazes e não cairmos nas armadilhas
das aparências. Precisamos a aprender ver além das aparências. Foi o que pude
observar e tirar como experiência de um show com cantores sertanejos,
considerados politicamente corretos. A revista realizada na entrada parece-me
mais um critério de seleção de público e não o cuidado, o zelo com as pessoas
que se encontravam no recinto. Os organizadores trabalham o “open bar” como um diferencial, um atrativo
a mais, mas a bebida alcoólica não deveria ser distribuída indiscriminadamente .
Acredito mesmo, que o fato de ter segurança no recinto, não impediria que as
autoridades policiais e os juizados de menores se fizessem presentes. Poderiam
constatar “in-loco” como as grandes
cervejarias estão criando seus novos consumidores.
Propositalmente os shows são organizados para que haja
atraso e assim os jovens consumam mais. Não acredito que as estrelas, aquelas
que são o centro do espetáculo não saibam disso. No entanto a forma como agiram
com o fã, gaiato que jogou bebida no palco, demonstra um falso moralismo, uma
falsa indignação. Ora, é claro que depois de duas horas bebendo cerveja
continuamente, qualquer pessoa não estará em seu perfeito juízo. Sendo assim
atos de qualquer natureza, inclusive de vandalismo, violência ficaram cada vez
mais freqüentes entre os jovens iniciantes no vício do álcool.
Dessa forma a indústria do entretenimento está mais
preocupada em criar novos consumidores e consequentemente alimentar a indústria
de shows e nenhum pouco preocupada com as conseqüências sociais que poderão
surgir desses eventos. Portanto, antes que as drogas adotem nossos filhos,
faz-se urgente que nós não abrimos mão de estarmos mais presentes exercendo com
perspicácia o nosso papel de pais!
Geralda Ferraz
Publicado em 2007 no jornal "O Popular"
Publicado em 2007 no jornal "O Popular"