sexta-feira, 27 de junho de 2014

Lições de Rose Marie Muraro

Artigo publicado no jornal "O Popular" na edição de hoje
OPINIÃO
25/06/2014

Rose Marie Muraro nos deixou. Quem foi essa mulher? Foi aquela que desafiou o impossível. São dela as afirmações: “Só o impossível abre o novo, só o impossível cria”. Rose aprendeu a superar os desafios que a vida lhe impôs, o primeiro deles sua deficiência visual. Nasceu quase cega. Em um tempo de pouco ou quase nenhum espaço para as mulheres, formou-se em economia e física e se tornou uma das maiores vozes do movimento feminista brasileiro. Escreveu e editou livros, dois dos quais considerados os mais significativos sobre a condição feminina: Os Seis Meses em que Fui Homem e Sexualidade da Mulher Brasileira, Corpo e Classe Social no Brasil.

Em 2007, quando esteve em Goiânia para proferir palestra, indagada sobre o que fazer diante da crescente violência contra a mulher, Rose respondeu: “Devemos mostrar que a violência contra a mulher é mais importante que a violência contra o homem, porque é a primeira violência que a criança vê desde que nasce e a partir daí, ela aceita todas as violências”.

A onda de homicídios contra mulheres em Goiânia e a ação repressiva da polícia às profissionais do sexo, na região do Dergo, são dois exemplos de como a afirmação de Rose Marie continua atual e ratifica, apesar de avanços nos direitos humanos das mulheres, a condição desigual e desfavorável que a mulher ocupa na sociedade.

Mostrar que a violência contra mulher é mais importante que a violência praticada contra o homem significa dizer que quando uma mulher é agredida ou morta, a sociedade ainda aceita, com certo comodismo, as justificativas dadas. No senso comum, é como se as mulheres, mesmo vítimas, ainda assim tivessem dado chance, como que facilitando a ação do agressor. Tais justificativas não questionam a ineficiência do Estado na garantia e preservação da vida, mas deixam escapar posicionamentos ideológicos que reforçam máximas machistas e levam as próprias mulheres a justificar o injustificável: “Mas ela vestia roupas inadequadas”; “portava-se de maneira vulgar”...

Quando Rose dizia que a violência sofrida pela mulher é a primeira violência que a criança vê e a partir daí ela aceita todas as violências, ela reafirmava o que apontam análises comportamentais de pessoas violentas. A violência é ensinada. Uma criança que vê sua mãe sofrendo violência rotineiramente, tem grandes probabilidades de se tornar um adulto violento. A violência naturalizada na sociedade contemporânea encontra-se enraizada no modelo patriarcal que herdamos e que ainda prevalece, apesar das conquistas feministas.

Só com ações efetivas e transversais faremos dessa realidade de submissão, violência e morte o que hoje parece impossível: uma sociedade onde prevaleça o respeito, onde mulheres e homens sejam iguais em direitos e deveres. Vamos aprendendo com Rose a superar o impossível, criando o novo, uma nova sociedade.

Geralda Ferraz é radialista