sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Polícia para quem?

  • Policial aposentada, comunicadora social, educadora e ativista pelos Direitos HumanosA Constituição Federal de 1988 significou para a sociedade brasileira uma virada de página, encerramento de um ciclo recheado de atos institucionais, que validavam as arbitrariedades, principalmente das polícias que promoviam perseguições, torturas e extermínios a qualquer sinal de “ameaça”. Naquele período, o que a princípio era método para perseguir e punir militantes políticos de esquerda, se naturalizou, virou regra.  O novo ciclo – da Constituição Cidadã - que acreditávamos ser o início do regime democrático “ad eternum”, com condutas pautadas na lei, começou com mudanças significativas no cotidiano das polícias, mesmo com certo saudosismo de policiais que creditavam o fim da polícia, às mudanças! Podemos dizer que o jeito de fazer polícia que conheciam, com poder de “vida e morte” sobre as outras pessoas, perdera força com a nova Constituição.

    Os anos 2000 trouxeram experiências exitosas de policiamento comunitário. Diadema – SP, Canoas-RS, Goiás. Neste modelo, os métodos truculentos de investigação dão lugar aos científicos, prevalece o policiamento preventivo com abordagens que não prevêem o uso da força ou da violência.  Os cursos de formação para policiais têm em seus currículos a disciplina de Direitos Humanos, mas infelizmente, não deixaram de lado uma formação baseada na força, em situações de verdadeiras provas e treinos de guerra, sob a crença  de forjar profissionais infalíveis.

    A polícia brasileira do século XXI é considerada a mais violenta do mundo (Le Monde de 18 de junho de 2020), não conseguiu superar o ranço da ditadura militar e muito menos da cultura escravocrata. Persegue e criminaliza Preto, Pobre e Prostituta. Mesmo com as tentativas de modernização e mudança de cultura, a polícia truculenta persiste. Denúncias por todo o Brasil dão conta do que vivemos: execuções sumárias de jovens da periferia, mortes por “confronto”, ainda que as cenas dos crimes apontem para execução; jovem sendo algemado e conduzido, preso em garupa de moto!  Em 2019 a polícia brasileira matou seis mil pessoas, cinco vezes mais que os EUA.  Tais atitudes são endossadas por muitos cidadãos de bem, que pregam que “bandido bom é bandido morto”.

    Nesta lógica de polícia, a população pobre, preta e periférica sempre estará em “atitude suspeita”. Denunciar, debater e enfrentar a polícia violenta é o caminho.  A Defensoria Pública de São Paulo elaborou uma cartilha em que orienta os cidadãos a registrar a ação de policiais, como forma de fiscalizar e prevenir violações de direitos humanos. Outra medida adotada pelo governo de São Paulo foi a instalação de câmeras de vídeo e gravação nos fardamentos dos policiais, o que resultou na diminuição das mortes por intervenção policial em 54%, durante os meses de maio e junho deste ano. São medidas necessárias, em que pese saber que a superação do modelo de polícia vigente passa pela superação das desigualdades e das injustiças sociais.

    Publicado no jornal O Popular de 10.12.2021


    quinta-feira, 25 de novembro de 2021

    Violência contra a mulher, até quando?

    O dia 25 de novembro marca os 61 anos do assassinato das irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), dominicanas que ficaram conhecidas como Las Mariposas. Em 1999 as Nações Unidas instituiu a data – proposta por feministas - como o dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres, homenageando as irmãs Mirabal. 

    Os números nos dão conta que a violência contra as mulheres é um problema presente não só nos países empobrecidos, ou de cultura islâmica, onde o machismo prevalece e os direitos das mulheres são quase inexistentes. Na semana passada a jornalista brasileira Denise Rodrigues radicada em Paris, publicou nas redes sociais da ONG - Mulheres na Comunicação, imagens de uma passeata nas ruas de Paris, na tarde fria de sábado (20), com a participação de mais de 50 mil pessoas, manifestando-se contra as violências sexuais e sexistas. De acordo com Rodrigues, mulheres, homens e crianças, apesar do frio e da pandemia foram para as ruas exigir do Estado, políticas públicas que coíbam tais violências que hoje vitimizam em torno de 220 mil francesas, deste total,  94 mil vítimas de estupro e 101 assassinadas por seus companheiros. 

    No Brasil a situação das mulheres é alarmante. Levantamento feito pelo Datafolha divulgado em junho deste ano, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. A pandemia deixou as mulheres mais vulneráveis, elas tiveram mais dificuldades de denunciar as violências, já que o agressor passou a ficar mais tempo em casa. Outro dado trágico, nos dois primeiros meses da pandemia houve um aumento do feminicídio, o assassinato de mulheres, pelo fato de serem mulheres. 

    Aqui, na França, nos países islâmicos ou latinos, qualquer lugar que seja deste planeta, a eliminação da violência contra as mulheres requer um trabalho efetivo de todos os segmentos sociais e fundamentalmente do Estado. Para além dos tratados internacionais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará, é preciso enfrentar o problema local com a seriedade que ele exige. 

    A lei Maria da Penha prevê inúmeras ações simultâneas e interligadas, como as delegacias especializadas,  casas abrigos, centros de atendimentos com equipe de multiprofissionais, o tratamento a vítima e ao agressor, a qualificação de profissionais, entre outras, porém os 15 anos de sua implementação, não foram suficientes para sua total efetivação. Seguimos presenciando a ausência dos mecanismos previstos em lei e a naturalização da violência entre aqueles e aquelas que deveriam ser o porto seguro das mulheres em situação de vulnerabilidade. 

    A propósito, como está a construção da Casa da Mulher Brasileira lançada pelo governo federal, em Goiânia em julho de 2020?