sábado, 12 de dezembro de 2009

Direitos Humanos. Ontem e hoje

Conhecer os Direitos Humanos. Lutar por uma sociedade justa e fraterna!
Publicado no Jornal "O Popular - 20/12/2009 - Goiânia-GO"

“ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Observando a introdução do artigo 5° da Constituição Brasileira - nossa Carta Magna - temos a exata ideia de como o Estado brasileiro deveria garantir a toda pessoa humana o direito pleno à VIDA. Assim como o Brasil, vários países têm prevêem em suas legislações as garantias fundamentais às pessoas.

Por que garantir em leis os direitos dos seres humanos? A história humana é permeada de fatos onde o poder, a escravidão, a injustiça, a tortura, a violência, a submissão de um ser humano a outro é tão exacerbada que impulsionou e impulsiona pensadores, juristas a delimitar normas que garantam a vida humana com dignidade.

Na linha histórica podemos citar alguns períodos de extrema crueldade como a violência dos Romanos contra Cristãos dos tempos antigos; as pessoas queimadas pela Santa Inquisição na Idade Média e mais recentemente o tráfico de negros, à época do descobrimento e colonização das Américas pelos europeus. Só no Brasil, o tráfico de pessoas chegou a mais de 300 mil. Estes os que sobreviveram aos navios negreiros, pois boa parte da população traficada morria em condições desumanas, antes mesmo de chegarem aos seus fatídicos destinos.

Só muito recentemente, no século XX, com o fim da 2ª Guerra Mundial, palco do maior genocídio cometido contra a humanidade pelos nazistas – onde mais de 50 milhões de pessoas foram mortas em campos de concentração e combate – é que a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No dia 10 de dezembro de 1948 - em Paris/ França. Foi votada e aprovada por 192 países, com a perspectiva de que atos bárbaros que ferissem a dignidade da pessoa humana não mais voltassem a acontecer.

O artigo 5º da nossa Constituição segue os preceitos contidos nos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A propósito, não só o artigo, mas toda a Constituição brasileira, conhecida como Constituição Cidadã, votada e proclamada em 1988, toma corpo e força no período conhecido como abertura política, que sucedeu um dos períodos mais difíceis da nossa história com a tortura, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos, por um governo que compunha a “ditadura militar”, que iniciou-se nos anos de 1964 e estendeu-se até meados de 1982, quando começa a abertura política. Nesta fase os direitos políticos dos cidadãos ficaram a mercê do autoritarismo militar.

Voltando nossos olhos para a realidade brasileira atual e do mundo globalizado importante refletirmos: Quais são os desafios para que a humanidade não tenha seus direitos violados? Quem são as pessoas que sofrem com a falta de condições dignas de vida? Não é preciso pensar muito. Façamos um exercício: ao sairmos do nosso quintal, quando ganharmos as ruas, certamente nos depararemos com moradores de rua, crianças se prostituindo e se drogando, mulheres, crianças e adolescentes sendo vítimas de tráfico, de violência sexual, pessoas morrendo de fome, por falta de emprego; por falta de moradia, de saúde, doentes nas calçadas e nas filas de hospitais.

Se as ruas não forem suficientes, podemos ir além mar e encontraremos crianças africanas morrendo, órfãs de pais e mães aidéticos, porque em alguns países da África a AIDS já dizimou milhares de pessoas, famílias inteiras, por falta de saúde, saneamento básico; mulheres afegãs estupradas sem direito a recorrer a lei, porque o governo daquele país não lhes dá garantias e nem direitos, são propriedades dos homens; podemos presenciar autoridades européias negligenciarem o tráfico internacional de pessoas, assim como acontecia à época da colonização das Américas; podemos presenciar ainda, guerras fundamentalistas, e milhares de mortes de pessoas inocentes.

O grande legado da Declaração Universal dos Direitos Humanos é servir de marco regulatório para aqueles que sonham e trabalham por uma sociedade baseada na Justiça e na Paz. É mais do que legítimo e urgente reverenciarmos, ratificarmos e divulgarmos a todas as pessoas a Declaração que garante os Direitos Fundamentais à Vida de todas as pessoas humanas.


Geralda da C. Teixeira Ferraz
Radialista
Especialista em Assessoria de Comunicação
Gestão Escolar e Comunicação Pública
(62) 9911 3254
Ge_geralda@hotmail.com

sábado, 3 de outubro de 2009

Mulher e mídia - Conceitos que levam ao preconceito

O que dizer de peças publicitárias veiculadas nos meios midiáticos, que primam pela qualidade técnica e se propõem perspicazes e inteligentes? Que alteram a percepção da realidade, reforçam conceitos e preconceitos e legitimam valores morais?



Outro dia, enquanto transitava pelo Centro da Capital, nas proximidades do Teatro Goiânia, meus olhos se depararam com uma peça publicitária de uma das maiores cervejarias brasileiras, trazendo uma frase que faz um trocadilho com o ditado popular, “Onde passa um boi, passa uma boiada”. O trocadilho substituiu o substantivo masculino ‘boi’, pela marca da cerveja, e o substantivo feminino ‘boiada’ por ‘mulherada’! O gênio de criação da peça publicitária, tentou matar dois coelhos de uma vez só: relaciona o ditado a vocação agropecuária do nosso Estado e de quebra, vincula a ideia de que onde passa a tal marca de cerveja, certamente passará mulheres aos montes, verdadeiras manadas de vacas!



Não é de hoje que as imagens das mulheres esculturais, loiras saradas, servem de inspiração aos publicitários que buscam seduzir e povoar o imaginário dos homens. As peças publicitárias cumprem o papel de desumanizar e reduzir as mulheres à dimensão de fatias bem torneadas de músculos de carnes a espera do consumo, como pontua a jornalista Raquel Moreno, no livro A beleza impossível. É a própria coisificação preconizada por Marx.



Também não é de hoje que organizações feministas chamam a atenção para o tratamento dado às mulheres pela mídia. As mulheres representam hoje mais de 50% da população, têm grau de escolaridade superior a média dos homens e ocupam uma grande fatia do mercado de trabalho, estando presentes em grande número, inclusive, nas redações de jornais. Estas mulheres, protagonistas de suas histórias, de acordo com levantamento feito pela assessoria de comunicação da Semira (Secretaria de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial), em 2007 e 2008, são invisíveis para a grande mídia. Elas só ganham visibilidade, só se tornam notícia quando são vítimas de violência ou estampam colunas de jornais com pouca ou nenhuma roupa, em poses sensuais nas páginas dos jornais. Na verdade os dados ratificam uma realidade não só local. Esta é uma tendência mundial. A imagem das mulheres para os meios midiáticos está vinculada a ideia de objeto de consumo. Mulher é igual a erotização, banalização, mercadoria.



Infelizmente tais abordagens reforçam conceitos ideológicos de perpetuação da cultura machista e consequentemente da prevalência da força e da violência. Em um outro trecho do livro A beleza impossível, Raquel Moreno, menciona que a mídia da forma que preconiza a imagem da mulher, faz o caminho da sedução palmilhado de produtos, brilhos, atitudes e aparências que ratificam os conceitos de força, domínio, desejo e submissão entre os sexos.



Faz-se necessário que o(a)s profissionais de publicidade comecem a ter uma postura mais comprometida e conseqüente em relação ao produto que se pretende vender e a mensagem que se pretende passar para o(a) seu consumidor(a). Acreditando que “Um outro Mundo é Possível”, cresce a máxima também entre o mundo empresarial, de que somos co-responsáveis pela mudança de paradigmas, pela mudança de atitudes frente ao mundo individualista de violência e morte. Enquanto a mídia insistir na massificação de conceitos machistas de posse, objeto e domínio ela estará contribuindo para a perpetuação de atitudes que levam a violência e a morte, deixando escapar a oportunidade única de contribuir na formação de cidadãs e cidadãos mais humanos, iguais!
Publicado no jornal "O Popular" - 02.10.09

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O caso do ônibus 499

Trabalho final – Mobilização e Propaganda Ideológica de Estado


“O grande dramaturgo Nelson Rodrigues disse certa vez que mulher gosta de “apanhar” e até hoje as feministas o perseguem por causa de tal declaração. Talvez o grande Nelson Rodrigues tenha pecado na generalização, mas os fatos parecem lhe dar razão, ao menos de forma parcial!” (¹)

“Mulher mantida refém em ônibus pelo ex reata casamento” – Último Segundo – 02.07.07

“Casal do ônibus 499 se reconcilia” – O Globo – 1°. 07.07.

“‘Perdoei por amor’, diz mulher do ônibus 499” – G1 - Portal de notícias da Globo – 1°.07.07


1. O que diz a imprensa

As manchetes acima fazem referência ao caso que ocorreu em novembro de 2006, na baixada fluminense, Rio de Janeiro, quando o vigilante desempregado e camelô André Luís Ribeiro da Silva, de 35 anos, invadiu o ônibus 499, com um revólver cal. 38, apontado para a cabeça da ex-mulher, Cristina Ribeiro, e durante mais de dez horas, manteve a ex-mulher e mais trinta e cinco pessoas dentro do ônibus, alegando que iria matar a mulher e suicidar-se em seguida. À época o caso ganhou repercussão na mídia nacional. Naquele período havia exatamente três meses de promulgação da lei Maria da Penha, que pune com mais rigor os crimes de violência doméstica.
A ex-mulher já havia registrado três ocorrências polícias contra o agressor na Delegacia da Mulher de Nova Iguaçu. Após o seqüestro do ônibus André ficou preso por cinco meses, tendo conseguido a liberdade provisória em abril, respondendo pelos crimes de seqüestro e tentativa de estupro.
No último dia 1°, as manchetes dos principais jornais do Rio de Janeiro e também de boa parte do país repercutiram a informação de que André e Cristina havia se reconciliado.
Pronto. Cristina acabara de reforçar a máxima machista: “mulher gosta de apanhar, homem é que não gosta de bater”, eternizada pelo dramaturgo machista, Nelson Rodrigues e não foi só isso. Possibilitou que a imprensa dos tempos contemporâneos reforçasse conceitos e preconceitos que comumente passam despercebidos, quase imperceptíveis, mas que reafirmam a cultura machista vigente, que teima em desqualificar a mulher, a realidade que a cerca e as reivindicações e conquistas ao longo da história brasileira.
A primeira questão que se coloca é: Por que a reconciliação do casal mereceu destaques nos jornais? Por que um fato “inusitado” como esse, virou manchete? Qual é a primeira sensação que o leitor, ou telespectador tem ao ver/ler/ouvir este tipo de informação? Revolta? Indignação com a mulher? Acha graça? Concorda com a máxima, ou as máximas reforçando a velha frase de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher? Certamente um pouco de cada coisa. Reforçando a ideologia vigente, justificando-se por meio das crenças o que está colocado como verdade e consequentemente justificando o poder e a supremacia do sexo masculino sobre o feminino.
A percepção da realidade é totalmente influenciada pelo poder dos meios de comunicação de massa, que num primeiro momento, quando do seqüestro, coloca Cristina como vítima de seu algoz, daí a necessidade de leis mais duras, como a lei Maria da Penha, e logo adiante, quando a mesma Cristina perdoa, como alguém no mínimo inconseqüente e que não merece ter seus direitos como cidadã garantidos. Veja o que escreve Antonio Rayol no site Vox Libre sobre o caso André e Cristina e a informação sobre mulheres que sofrem de maus tratos: “na esteira da notícia, o CIAM (Centro Integrado de Apoio à Mulher) do Rio de Janeiro, divulga informação de que 70%, das mulheres que sofrem maus tratos por parte dos maridos, perdoam seus agressores e retornam ao convívio doméstico e, é claro, acabam ‘entrando na porrada’ novamente, mais cedo ou mais tarde! Pode até ser isso mesmo! Entre passar necessidade e levar uns tabefes de vez em quando há aquelas que preferem a segunda alternativa. São as mulheres que escolhem ‘apanhar’ de barriga cheia! Não parece ser o caso de Cristina, que tem seu emprego e seu sustento sem depender de seu marido violento. Cristina tem o direito de pedir à Justiça que perdoe André, mas ela deveria ao mesmo tempo renunciar ao direito de encher o saco da polícia caso André resolva surra-la novamente!”
Não vamos aqui analisar os motivos e o que levou Cristina a ter perdoado o marido, talvez até fosse relevante para que pudéssemos desconstruir o discurso moralista do comentarista do site Vox Libre, no entanto, podemos desconstrui-lo, analisando no próprio texto a intenção de influenciar as pessoas e seus comportamentos(propaganda ideológica), através de termos chulos, que o aproxima dos leitores medianos e faz com que os leitores se identifiquem com o que ele está dizendo. Ao fazer referência ao pedido de Cristina, o autor do texto tenta demonstrar aos leitores sua indignação com o fato de Cristina recorrer aos serviços públicos “Justiça, Polícia” para pedir proteção e depois voltar atrás, como se tudo o que o poder público fez antes, com a atitude do perdão de Cristina, tenha sido banalizado, desprezado e desrespeitado por ela, fazendo com que os leitores concordem com ele, afinal de contas ele está defendendo o “direito dos outros cidadãos” e deixou provado que a mulher não tem capacidade de decidir sobre o seu destino, já que ele em seu texto deixa claro, que mais cedo ou mais tarde Cristina vai voltar a apanhar.
Por outro lado existe uma necessidade de desqualificar o movimento de mulheres que há décadas vem derrubando tabus, mitos, lendas que diminuem a mulher e sua capacidade em relação ao homem é a luta clara pela supremacia do homem e a forma de permanecer soberano, na condição de macho superior (uso explícito da força, mas frequentemente acompanhado ou baseado no desenvolvimento de idéias).
Para a professora da Universidade Católica de Goiás, Janira Sodré Miranda, feminista, que tem como linha de pesquisa as questões de gênero, a mulher na sociedade ocidental é culpabilizada ou vitimizada. Ela nunca é vista como sujeito da sua história, ao contrário, é vista como uma pessoa sem capacidade de decidir, de independer, de emancipar, permanecendo na condição de dependência e sujeição. Janira diz ainda, que muitas vezes vê-se que a mídia faz a vinculação de dependência, mesmo sendo o homem violento.
Afirmações como a matéria acima que circulam nos meios de comunicação de massa ignoram (negação das mudanças) todos os avanços ao longo dos anos em relação à emancipação da mulher e a sua luta pela conquista e garantia de seus direitos. O caso de Cristina e André é narrado como se fosse um caso isolado, que não fosse fruto de uma sociedade desestruturada e ainda ignora o fato de que Cristina só teve autonomia para perdoar, foi porque antes teve a coragem e a garantia do Estado de um espaço e de uma estrutura onde ela pode denunciar, não ficando calada e sendo a eterna vítima de seu algoz. Quando o autor do texto simplifica o caso e restringe à história em questão, ele não leva em conta todas às conquistas, porém, não esquece de fazer referência a um dado específico de uma instituição que lida com as questões de gênero, a constatação de que as mulheres perdoam seus agressores e voltam ao convívio por razões econômicas, dando a entender que a justificativa dada não convence e coloca no campo das hipóteses o motivo do perdão e retorno ao lar, reafirmando nas entrelinhas que mulher gosta de apanhar mesmo e que pelo fato de não terem firmeza em suas decisões, não devem ter seus direitos garantidos!
Manchetes e textos como o que transcrevemos acima tem o sério propósito de reforçar idéias através da ênfase e massificação de interpretações tendenciosas sobre assuntos que tem pouca ou nenhuma profundidade. Buscando espetacularizar e ridicularizar o fato em questão.
As manchetes acima deixam alguma dúvida quanto ao propósito, ou o pensamento dos editores e colaboradores dos impressos sobre a relação entre mulher e homem? Como será que eles responderiam a questão? : Por que Adão foi expulso do paraíso?

2. Quando a mulher deixa de ser vítima? Quando deixa de ser culpabilizada? É possível se tornar agente como defende a professora Janira no mundo midiático da propaganda ideológica?

O portal de notícias da Globo, publicou a notícia da reconciliação e fez referência a uma preocupação de Cristina, a notícia em destaque vem inclusive entre aspas: “Muita gente diz que ele vai fazer de novo”. No corpo do texto o jornalista faz referência a preocupação de Cristina com as cobranças de quem não concorda com a decisão. Cristina teria dito: “Sei que vou receber muitas críticas. Peço desculpas às pessoas, só não quero ter que enfrentar gente intolerante me chamando de sem vergonha. A responsabilidade é toda minha. Quando falei que pretendia aceitá-lo de volta, ouvi de algumas pessoas o alerta de que ele voltaria a fazer tudo de novo. Mas conversamos, fui amadurecendo a idéia e decidi voltar.” O jornalista diz ainda que Cristina fez questão de rever as acusações que fez a André à época do seqüestro do ônibus.
É tão forte e está tão arraigada no imaginário popular a cultura machista e a universalização de seus princípios, que a própria Cristina sente-se no dever de se desculpar com as pessoas por ter tomado a decisão de perdoá-lo! Ao repercutir o fato, os meios de comunicação num primeiro momento vitimiza Cristina, mostra-a como uma mulher frágil, que frequentemente é agredida pelo marido violento. Possivelmente esse poder avassalador da mídia pode inclusive, ter colaborado para que ela no ápice da crise, fosse movida a acusá-lo sem medir as conseqüências. Passado a raiva, a mídia desaparece, e a realidade volta à tona. Por motivos que como já dissemos, não cabe aqui analisarmos, Cristina resolve perdoar o marido e aí o que acontece? Cristina volta às manchetes, agora estando no lugar de algoz. A mulher safada, sem vergonha, sem caráter, que disse uma coisa e fez outra e, portanto, não tem personalidade, é fraca e fica sem credibilidade diante das pessoas.
A entrevistada está tão absorta da sua condição de algoz, ou da condição que lhe foi imposta que não tem consciência dos seus direitos como ser humano: direito de ser livre para agir dessa ou daquela maneira, de tomar essa ou aquela decisão. Por que pedir desculpas? O fato da Polícia e do Poder Judiciário terem se envolvido, independe da vontade dela. Os crimes de que André é acusado são crimes previstos no Código Penal Brasileiro, e que seriam investigados caso ela quisesse ou não. E isso fica claro na notícia quando o jornalista conclui a matéria dizendo que “a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio concedeu a ele liberdade provisória...e que André aguarda seu julgamento em liberdade”.
Interessante observar que o jornalista (²) responde aos princípios básicos do bom jornalismo. Ele narra o fato, dá informação do processo que André, o marido agressor, está envolvido e dá voz a Cristina, para que ela fale e se “defenda” junto aos leitores por sua atitude. Todos os aspectos da notícia foram contemplados! Na busca da resposta fácil e na validação da ordem social (de fato, a mulher está demonstrando que é frágil, tem o coração mole, perdoa e, portanto, não tem condições de decidir por si mesma, de ser agente de sua história) a notícia enquanto propaganda ideológica cumpriu o seu papel.
Cristina por sua vez, está inserida nesta sociedade, é fruto dela. Por mais que tenha relampejos de lutar por sua autonomia, ao pedir desculpas, reforça valores, e dá demonstração de sua impotência frente à verdade que está posta. Para ela, o preço da sua decisão sobre sua vida particular é ter que pedir desculpas, se expondo para milhares de pessoas, mais uma vez. Vale aqui uma pergunta: Em uma sociedade midiática com valores milenarmente machistas, o que será mais difícil, ganhar notoriedade como vítima, ou, ter o poder de decidir sobre sua vida e em contrapartida ficar na condição de pessoa má para milhares de pessoas?

3. Quando a propaganda ideológica do mundo dos homens começa a perder espaço para uma outra propaganda ideológica...

As mudanças sociais ocorridas no século passado delinearam um novo perfil nos papéis exercidos na sociedade ocidental. As mulheres estão entre os que assimilaram estas mudanças de maneira mais radical. Certamente porque tenham sido as principais agentes destas transformações, após anos e anos de luta para verem seus direitos garantidos e respeitados.
Mesmo com a atual tendência do movimento feminista em pensar a sociedade como um todo, a condição de inferioridade e submissão da mulher na nossa sociedade é latente: ainda hoje mulheres são condenadas à morte por apedrejamento; ainda hoje mesmo possuindo nível de escolaridade superior ao homem, mulheres têm seus salários com valores inferiores; ainda hoje um país de maioria feminina, precisa de cotas para garantir a presença delas no espaço político; ainda hoje para se ter sucesso na área profissional, a mulher precisa optar entre o espaço privado e o público com a ameaça e a culpa de não ser considerada nem uma boa mãe, nem uma profissional qualificada.
É desafiador o papel do movimento feminista nos dias atuais, porque as desigualdades ainda são enormes, mas as armas usadas em outras épocas, já não se adequam ao mundo globalizado, competitivo e individualista, carente de posicionamentos humanistas, que contemplem a justiça e a inclusão social.
Paralelamente às mudanças políticas e sociais o movimento de mulheres perfilou-se entre as instituições com possibilidades de efetivar mudanças, visando uma sociedade mais igualitária, já que ao longo dos anos legitimou-se como tal.
Diferente de outros segmentos sociais que pecam pelo excesso do discurso e a ausência da prática, o movimento feminista avançou porque sendo propositivo, conseguiu sair do discurso para a prática, implementando projetos na perspectiva da relação de gênero, o que vêm contribuindo para a conscientização das mulheres.
As mulheres multiplicaram. Literalmente. Somos hoje mais de 50% da população brasileira. Aquelas que antes não tinham voz, nem vez hoje já têm órgãos que pensam políticas públicas em seu favor. A verdade é que a desigualdade entre mulheres e homens provoca danos e prejuízos que comprometem significamente os índices de crescimento de qualquer país, não deixando dúvida que se faz necessário uma política que possa incluir e diminuir a desigualdade existente entre mulheres e homens.
Segundo o IBGE – Instituto Brasileiro Geografia e Estatística as mulheres brasileiras responsáveis pelos domicílios representam 30% da população feminina ocupada e tem uma idade média de 43,5 anos. Metade desta população mora com os filhos sem a presença do cônjuge e uma em cada cinco é trabalhadora doméstica. Elas enfrentam jornadas de trabalho superior (39,2 horas) em relação às trabalhadoras que não são responsáveis pelos domicílios. Outro dado é que o grau de escolaridade é menor entre s responsáveis pelos domicílios. Elas trabalham na sua grande maioria sem vínculo formal (trabalham sem carteira registrada) (³).
Existem hoje convenções mundiais que obrigam o Brasil a prestar contas da situação de violência e exclusão da mulher brasileira. Depois de quase 30 anos sem apresentar a ONU nenhuma informação, no final do governo Fernando Henrique, depois de pressões internacionais e nacionais dos movimentos de mulheres e órgãos ligados a ONU, foi apresentado um primeiro relatório. Semana passada, na sede da ONU, em Nova York, foi apresentado o sexto relatório governamental à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Paralelamente ao relatório governamental, os movimentos de mulheres, mais de 20 organizações, ganharam o direito de apresentar na mesma sessão, o contra-informe, com o propósito de evidenciar prioridades e preocupações pertinentes à cidadania e aos direitos humanos das mulheres.
O Contra-Informe traz questionamentos que expõem a fragilidade da situação das mulheres no país, agravada quando se trata de afrodescendentes, indígenas, residentes em zonas rurais, moradoras urbanas de menor poder aquisitivo, prostitutas, portadoras de necessidades especiais, presidiárias, chefes de família, lésbicas, mulheres vivendo com HIV/Aids, enfim, de meninas, de jovens ou idosas e de outros grupos de mulheres marginalizadas ou socialmente excluídas. Em vista disso, o texto evidencia a persistência de muitas desigualdades de gênero, em específico, no que concerne às dificuldades de acesso às políticas públicas, aos bens públicos e ao bem-estar social. Desigualdades que se acentuam devido ao pertencimento étnico, geracional, regional ou socioeconômico, e dificultam o avanço das mulheres na sociedade brasileira.
No Contra-Informe, consideram-se os alcances e os limites da atuação governamental para enfrentar o problema da discriminação das mulheres nos campos jurídico, de educação, saúde, trabalho e da vida econômica, social e cultural. Para tal, parte-se do entendimento de que o texto da CEDAW vai além do mero reconhecimento da igualdade e da não discriminação, já que propõe medidas específicas para promover e garantir a cidadania e os direitos humanos das mulheres em todos os aspectos da realidade civil, social, econômica, política e cultural.
Mas o que isso tem a ver com propaganda ideológica do estado? Não corre o risco das políticas públicas em favor das mulheres serem tratadas como um mal necessário e virem embrulhadas em embalagens lindamente paternalista, que é outro aspecto do mundo machista?
É essa a lógica?
De acordo com Max Weber, “poder é a capacidade de um ator em impor sua vontade em uma relação social, apesar da resistência do outro”. Quando a mulher procura reivindicar seus direitos, na verdade o que ela busca é de fato impor sua vontade no seu meio social?
Por outro lado, o avanço e as conquistas das mulheres, representaram diminuição do espaço de poder do homem? Ou será mais uma estratégia da propaganda ideológica para dar resposta a uma demanda crescente por mais Justiça Social e ratificar a ordem social de que o homem é o senhor absoluto do espaço público, apesar dos avanços femininos?

4. Meus queridos e minhas queridas colegas de trabalho,
É sensacionalismo ou não é?
É propaganda ideológica ou não é?

A cobertura dada ao seqüestro do ônibus com a imagem do marido violento apontando uma arma para a cabeça da mulher foi decisiva para o desenrolar de todas as outras seqüências da mesma novela, ou melhor, da notícia. Quem não se lembra das imagens, “flashes” transmitidos ao vivo durante a programação das emissoras, inclusive com aquela música que quando a gente ouve, faz a gente pensar assim: “ ihh quem será que morreu?”. O impasse criado, a dramaticidade da cena, despertaram nas pessoas o ódio e a revolta imediata(fala direto a emoção) a figura do marido agressor e a compaixão com a mulher agredida. Estar diante da cena, acompanhar ao vivo e em cores todo o episódio explorado pelos programas policiais de TV de maneira exaustiva, sensibilizou os milhares de telespectadores de tal maneira a espetacularizar, banalizar a violência latente ali. Alguém parou para pensar nas causas que levaram o homem agressor aquela atitude? E o que motivou a mulher alguns meses depois a perdoar o marido agressor e voltar a ser manchete nos telejornais? A notícia ficou restrita ao episódio do seqüestro e meses depois ao episódio do perdão, estabelecendo naturalmente o que é inerente no mundo capitalista e consumista. Deixamos de exercitar nossa capacidade de raciocinar e julgar os fatos de forma racional. Agimos pela emoção daquilo que em nós foi despertado pela imagem, para daqui a algumas horas, quando o fato deixar de ser notícia ser esquecido e descartado.
Enquanto foi útil para a propaganda ideológica do Estado, em um determinado momento enfatizar a condição de vítima da mulher e falar da lei Maria da Penha como uma ação do governo, episódios como o de André e Cristina foram exaustivamente noticiados, comentados, mas depois, assim como o episódio, a lei Maria da Penha e tudo que envolve o seu cumprimento caiu no esquecimento, quase um ano depois de promulgada faltam ainda as condições necessárias para a aplicabilidade da lei (juizados específicos, casas-abrigos, delegacias especializadas em atendimento à mulher entre outros requisitos).
O fato da violência doméstica ser um problema que atinge milhares de crianças, adolescentes, e mulheres, de provocar sofrimento indescritível às suas vítimas, muitas vezes silenciosas, o fato desta mesma violência impedir um bom desenvolvimento físico e mental das vítimas, não é explorado como notícia pela mídia, que não perde tempo e espaço em denunciar as condições precárias das nossas instituições que deveriam garantir a aplicação na íntegra da lei.
Segundo o Ministério da Saúde, as agressões constituem a principal causa de morte de jovens entre 5 e 19 anos. A maior parte dessas agressões provém do ambiente doméstico. A Unicef estima que, diariamente, 18 mil crianças e adolescentes sejam espancados no Brasil. Os acidentes e as violências domésticas provocam 64,4% das mortes de crianças e adolescentes no País, segundo dados de 1997.
O psiquiatra, terapeuta e professor da Universidade Federal de Goiás, Mauro Elias Mendonça, que trabalha com grupos de mulheres e homens, a violência está integrada e acontece normalmente com pessoas próximas. A violência não é só entre uma vítima e o agressor, portanto é importante entender o pano de fundo que está por traz desta violência. Como cada um de nós, no nosso comportamento, em nossos relacionamentos somos muitas vezes violentos e reproduzimos a violência. Entender a parcela que cada um onde nós, não uma vítima e um agressor, temos na agressão e como cada um nós, contribui de alguma forma, passiva ou ativa, para que a violência aconteça. Portanto, somos co-responsáveis pela agressão, e se somos co-responsáveis podemos ajudar a prevenir a agressão e a lidar com esse fenômeno de forma diferente onde quer que nós estejamos. (4)



Os fatos que escancaram as tragédias do país e colocam às claras as políticas governamentais deste e de outros governos passados, apesar de serem chocantes tanto quanto, ou mais que os episódios explorados pelos meios de comunicação de massa, não ganham as manchetes dos jornais, porque certamente vão contra os interesses da pequena elite que está no comando do país.
Problemas como de Cristina e André nunca são vistos como parte de um problema estrutural, que envolve a falta de investimentos em políticas públicas. A culpa nunca é vinculada a incompetência de quem controla o Poder, mas neste caso específico, ao homem que é machista, a mulher que é sem vergonha e assim por diante(bode expiatório).
A banalização da violência e sua espetacularização servem na verdade para mistificar o poder do Estado, levam as pessoas a verem o policial como o super-herói das revistas em quadrinhos, ou dos filmes de Hollywood. Ele que imobiliza o marido-bandido e salva a esposa infeliz. As notícias e programas como são divulgadas prestam um serviço a ineficiência do Estado, escondem um mal muito maior, a falta de condições básica de vida digna do povo brasileiro.
Dessa forma sem censura prévia, sem controle explícito a imprensa certa da sua função enquanto “quarto poder!” chega ao ponto de questionar e cobrar de uma mulher uma atitude mais “racional”, “mais inteligente” e ainda exige que ela abdique de seus direitos de cidadã caso ela venha a sofrer novas agressões!
Tal atitude não é só machista é extremamente conservadora e cumpre um papel importante na continuação do poder hegemônico do Estado, faz parte da propaganda ideológica do Estado.

5. A eficiência da propaganda ideológica na simplificação da mensagem

Por trás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher!
Oh, coisa hipócrita... E machista!
Desde pequena me lembro de ouvir esta frase. E era uma frase tão bonita! Tão altruísta que revelava toda a grandeza do sexo masculino em reconhecer o valor imensurável da mulher!
Esta frase representa a síntese do discurso conservador e ideológico da sociedade machista. É de fato a simplificação dos principais pontos da mensagem, assim como outras do tipo: O homem é a cabeça, a mulher é o coração!
No campo das letras de músicas, um talentoso poeta e ator, Mario Lago, eternizou o estereótipo da mulher perfeita e submissa, no clássico da música brasileira Amélia. Mais recentemente o movimento funk adequou o preconceito e o machismo nas mensagens que fazem referência a mulher objeto: cachorra, popozuda, eguinha pocotó. As músicas sertanejas estão recheadas de mensagens que reforçam a condição de submissão da mulher.
Na televisão as mensagens reforçam a idéia da mulher objeto em propagandas de carro, bebidas e em outros produtos.
Ao introduzir através das músicas, comerciais, novelas, produtos de entretenimento as mensagens, os responsáveis pela perpetuação do ‘status quo’, procuram facilitar a compreensão e difusão da mensagem. Daí percebermos a reprodução dessas mensagens através das atitudes de crianças e jovens e também dos adultos. Não é de se estranhar a linguagem chula a que nos referimos no início deste trabalho, usada por alguém que escreve para um site, que pressupõe-se tivesse um nível de criticidade acima da média do povo, já que tem formação superior, se diz estudioso, etc, etc e que ao se referir ao caso de Cristina e André e aos dados do Centro Integrado de Apoio à Mulher - CIAM, não mede as palavras e abusa das mensagens machistas, intercaladas de pérolas como, “entrando na porrada”, “tabefes”, “apanhar”, dando a medida certa para detectarmos a sua visão machista a serviço da propaganda ideológica masculina.
O movimento de mulheres se mobiliza e demonstra que no campo da luta por mais direitos e espaços tem feito um exercício sobre humano para desconstruir as mensagens intrinsecamente colocadas pelos meios de comunicação que reforçam a propaganda ideológica machista. As ações afirmativas no sentido de superar este paradigma são inúmeras e já conseguem sobrepor alguns mitos que antes eram verdades absolutas e que hoje estão superadas.
Discutir questões femininas como se tivesse discutindo a melhor forma de manter um casamento, sem colocar a figura do homem como parceiro e co-responsável, deixando o ônus do fracasso nas costas das mulheres; discutir o espaço público, sem falar das milhares de excluídas; discutir beleza, sem antes discutir submissão milenar da mulher e como re-construir sua história, fazendo com que ela se redescubra, linda e poderosa como ela é, sem ter que seguir o padrão estabelecido pela mídia... é discurso vazio, sem nenhum objetivo... Ou melhor, com o único e exclusivo objetivo de ratificar a propaganda ideológica que está colocada desde o período do Brasil-Colônia, que só serve ao mercado consumidor, de vender seus produtos utilizando a mulher como uma ferramenta da propaganda.

Notas: