terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Invasão ou ocupação urbana

Dias atrás percebi que na varanda de casa, havia uma substância no chão, parecia terra preta, justamente abaixo de uma planta de xaxim. A princípio pensei se tratar de adubo que estava saindo do vaso, com o excesso da água das chuvas que caíram nos últimos dias.  

Eis que hoje ao chegar em casa me deparo com o real motivo: Não mais terra debaixo do xaxim, alguns resíduos ainda nas folhas da planta que pende buscando o chão. Duas terríveis criaturas, voavam de um lado para o outro, sem se preocupar com a presença humana, "eu". O que será que estão procurando? Fiquei pensando. Resolvi observar mais atentamente onde eles se enfiavam e desapareciam e apareciam num relance, alçando voos curtos. 

Tais criaturas, ambos com aproximadamente cinco centímetros de cumprimento, um de penugem mesclada de amarelo e cinza e o outro, de uma plumagem preta na parte superior das asas e do corpo e amarela na parte debaixo, cores de um brilho único, que dá ao seu dono (ou dona) uma beleza ímpar. Indiferentes a minha presença, ocuparam o espaço, procuram agora dar os últimos retoques a nova casa que estão construindo. Sim, casa! Descobri que as pequenas e petulantes aves cavaram um túnel no meu xaxim. Daí o motivo de durante dias ter encontrado o que parecia terra preta no piso da minha varanda. A cada voo, trazem no bico capins, plumas, e promovem um diálogo entre si, que me deixou intrigada e me despertou indignação: - Abusados! Chegam apossam da minha planta, do meu xaxim, na minha casa e ainda se exibindo....nem tomam conhecimento que esse terreno tem dono, donos, melhor dizendo.
Na verdade, lá no meu íntimo, senti um orgulho danado de poder presenciar estas maravilhas da natureza. Com um poder de adaptação incrível, esta espécie, diante das condições que lhes foram impostas por terem perdido os seus habitats naturais, buscaram logo uma forma de se adaptar as novas realidades, proporcionando um espetáculo digno de ser compartilhado.

Quantos ensinamentos, quantas possibilidades criadas a partir de uma decisão de dois seres vivos de assentarem-se em uma minúscula parte do meu imenso latifúndio, promovendo mais uma invasão/ocupação urbana, tão comum nesses tempos de novos arranjos de nossas cidades.

Ok, abro mão da parte ocupada, porém reivindico desses novos moradores, invasores/assentados urbanos o direito de arejar minha alma, desestressar  meu cotidiano, lubrificar meus olhos com cenas puras e limpas, relaxar e me alegrar com suas presenças até que encontrem um outro espaço e promovam uma nova invasão/ocupação urbana.

domingo, 23 de novembro de 2014

Mulher e Cultura

Recentemente a
conteceu em Salvador, Bahia, o 1º seminário nacional Mulher e Cultura. Pela primeira vez um encontro foi idealizado para dar voz a mais de 450 mulheres de todo o país, com uma riqueza imensurável de experiências apresentadas através de conferências, debates e rodas de conversa. O seminário nos remete a uma reflexão sobre mulher e cultura em Goiás.
Para falar sobre “Mulher e Cultura”, é preciso conhecer o contexto histórico do papel social da mulher na sociedade ocidental. Da mesma forma, não há como falar do papel da mulher na cultura goiana sem nos debruçarmos em como se dão as relações sociais na história da humanidade. Desde os primórdios,  mulheres e homens desempenham papeis sociais diferentes, que variam de uma cultura para outra, de acordo com as convenções elaboradas socialmente, própria da vida em sociedade. Na sociedade ocidental o papel da mulher está relacionado com a desigualdade sexual. A figura feminina foi associada à ideia de fragilidade maior, o que a colocava em situação de dependência da figura masculina. Tal modelo está fundamentado na chamada sociedade patriarcal, onde o poder, a rua, as conquistas estão para os homens, assim como a submissão, a casa, o cuidado com os maridos e filhos estão para as mulheres.
Qual o papel da mulher na sociedade atual? A mulher do século XXI deixou de ser coadjuvante para assumir um lugar diferente na sociedade, de protagonista, com novas liberdades, possibilidades e responsabilidades, dando voz ativa a seu senso crítico. Hoje as mulheres estão à frente de universidades, empresas, cidades e, até mesmo, países, a exemplo da presidenta Dilma Roussef, primeira mulher a assumir o cargo mais importante da República brasileira.
Ao fazermos referência ao papel social da mulher na história ocidental, constatamos que a história da mulher goiana não é diferente. Sua identidade está fundamentada no modo de viver rural de seus antepassados. A elas eram reservadas a casa, a educação dos filhos, os ensinamentos religiosos, os serviços da lida doméstica. Comunidades ainda mantêm viva a cultura herdada de seus antepassados como forma de darem a conhecer o modo de vida de uma época, que era transmitido em ações rotineiras no ato de cozer, nas rodas de fiar, nas festas religiosas, no cuidado com a família. Tais grupos são focos de resistência e teimam em manter viva a cultura de seu povo. Percebe-se que a mulher goiana, contraditoriamente ao modelo social de onde veio, ao demonstrar a cultura de uma época em que o patriarcado prevalecia, é a grande protagonista como guardiã dos conhecimentos, de uma cultura, e que ainda hoje se fazem presentes, pelo compromisso e persistência dessas guerreiras.
Grupos de mulheres fiandeiras, benzedeiras, doceiras, parteiras, comunidades de congadas,  mães de santo das comunidades de terreiro, as negras das comunidades quilombolas, os grupos de foliãs de reis,  são exemplos de expressões da cultura popular existentes em nosso estado que resistem ao tempo sem nenhum apoio institucional. É preciso pensar políticas públicas que garantam a essas comunidades a perpetuação de suas tradições, como forma de conhecermos e valorizarmos a história das mulheres, de manterem vivas as culturas herdadas  e consequentemente a história do povo goiano, nossa identidade cultural. Hoje diferente de outrora, inserida em uma sociedade de direitos, sem as amarras da cultura patriarcal.
Por outro lado, pensar políticas públicas para a cultura em Goiás na atualidade é pensar a presença da mulher em todos os espaços da nossa sociedade (presente ainda no espaço da casa, mas atuante nos outros espaços como protagonistas de si mesmas), é ter sensibilidade para conhecer as especificidades do sexo feminino e buscar a superação das práticas culturais machistas.

É necessário priorizar a cultura inserindo em todas as suas vertentes as questões de gênero, resgatar a história das mulheres, sua importância na vida social goiana e dar visibilidade às ações por elas efetivadas ao longo da nossa história, consolidadas pela persistência de nobres desconhecidas; e mais, é preciso trazer a luz a própria história cultural de Goiás, que infelizmente é contada apenas pelo ponto de vista daqueles que detêm o poder e que durante séculos perpetuaram a invisibilidade das ações de nossas ancestrais, sob o julgo do patriarcado.
Publicado no jornal "O Hoje" na edição do dia 08 de novembro de 2014

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Lições de Rose Marie Muraro

Artigo publicado no jornal "O Popular" na edição de hoje
OPINIÃO
25/06/2014

Rose Marie Muraro nos deixou. Quem foi essa mulher? Foi aquela que desafiou o impossível. São dela as afirmações: “Só o impossível abre o novo, só o impossível cria”. Rose aprendeu a superar os desafios que a vida lhe impôs, o primeiro deles sua deficiência visual. Nasceu quase cega. Em um tempo de pouco ou quase nenhum espaço para as mulheres, formou-se em economia e física e se tornou uma das maiores vozes do movimento feminista brasileiro. Escreveu e editou livros, dois dos quais considerados os mais significativos sobre a condição feminina: Os Seis Meses em que Fui Homem e Sexualidade da Mulher Brasileira, Corpo e Classe Social no Brasil.

Em 2007, quando esteve em Goiânia para proferir palestra, indagada sobre o que fazer diante da crescente violência contra a mulher, Rose respondeu: “Devemos mostrar que a violência contra a mulher é mais importante que a violência contra o homem, porque é a primeira violência que a criança vê desde que nasce e a partir daí, ela aceita todas as violências”.

A onda de homicídios contra mulheres em Goiânia e a ação repressiva da polícia às profissionais do sexo, na região do Dergo, são dois exemplos de como a afirmação de Rose Marie continua atual e ratifica, apesar de avanços nos direitos humanos das mulheres, a condição desigual e desfavorável que a mulher ocupa na sociedade.

Mostrar que a violência contra mulher é mais importante que a violência praticada contra o homem significa dizer que quando uma mulher é agredida ou morta, a sociedade ainda aceita, com certo comodismo, as justificativas dadas. No senso comum, é como se as mulheres, mesmo vítimas, ainda assim tivessem dado chance, como que facilitando a ação do agressor. Tais justificativas não questionam a ineficiência do Estado na garantia e preservação da vida, mas deixam escapar posicionamentos ideológicos que reforçam máximas machistas e levam as próprias mulheres a justificar o injustificável: “Mas ela vestia roupas inadequadas”; “portava-se de maneira vulgar”...

Quando Rose dizia que a violência sofrida pela mulher é a primeira violência que a criança vê e a partir daí ela aceita todas as violências, ela reafirmava o que apontam análises comportamentais de pessoas violentas. A violência é ensinada. Uma criança que vê sua mãe sofrendo violência rotineiramente, tem grandes probabilidades de se tornar um adulto violento. A violência naturalizada na sociedade contemporânea encontra-se enraizada no modelo patriarcal que herdamos e que ainda prevalece, apesar das conquistas feministas.

Só com ações efetivas e transversais faremos dessa realidade de submissão, violência e morte o que hoje parece impossível: uma sociedade onde prevaleça o respeito, onde mulheres e homens sejam iguais em direitos e deveres. Vamos aprendendo com Rose a superar o impossível, criando o novo, uma nova sociedade.

Geralda Ferraz é radialista

terça-feira, 18 de março de 2014

Educar para a vida



Num passado não muito distante, os parâmetros da educação de nossas crianças tinham suas bases fundamentadas nos valores transmitidos pelos pais. Eles eram os modelos. Ensinavam o que era permitido ou não. Colocavam limites. Demonstravam com seus exemplos do dia a dia o que era ser honesto, verdadeiro, humano. O que era ter caráter. Respeito às pessoas, aos mestres. Não se admitia exageros. As crianças eram disciplinadas, até mesmo num olhar mais insistente do pai ou da mãe. As palavras em muitos casos eram desnecessárias, principalmente naquelas situações em que os pequenos sabiam que tinham extrapolado os limites da boa educação.

A crise atual de valores baseia-se no excesso de informações, na sensação de bem-estar com as facilidades proporcionadas pela lógica do consumo, e principalmente pela ausência de ações educativas imbuídas de valores humanos – que têm como modelo os pais – ou pela inversão destes. A falta de limites, a falta de norteadores éticos, a falta de exemplos altruístas de pais que não têm compromisso com a verdade, com a honestidade e que são adeptos da Lei de Gerson – aquele que gosta de levar vantagem em tudo – delineiam características de grande parte dos nossos jovens.

Hoje nos deparamos com uma juventude que pensa poder tudo, e vez ou outra depara-se com problemas, consequências dos excessos. Desconhece o significado da palavra “não”. Tem dificuldade e não aceita as experiências frustrantes da vida, que por vezes nos leva a maturidade, e, diante de qualquer situação adversa, age de forma intempestiva, sem medir as consequências. Demonstra comportamento que reporta a criança birrenta. Voluntarioso, pensa e vive como se fosse o centro do universo, não enxerga nada além do próprio umbigo. Não conhece regras e normas de convivência em grupo.

Não é uma constatação difícil, basta um olhar mais atento de quem convive diariamente com o dilema dos pais na condução da educação de seus filhos. São dois aspectos que merecem ser analisados: o sentimento de culpa que pode levar a uma educação permissiva e a atitude negligente que pode representar a ausência de educação.

Tanto na educação permissiva, quanto na educação ausente, as crianças aprendem a enxergar a vida de forma egoísta, como se todos estivessem à disposição delas. A educação permissiva geralmente se dá em virtude da ausência dos pais. Os filhos são educados e criados pelas babás – a presencial e a eletrônica. As crianças crescem num ambiente de muitas vontades atendidas com presentes – para compensarem as faltas do dia a dia. Já na educação ausente, prevalece um outro tipo de negligência – em nome de uma relação onde a criança é vista como um ser diferente na perspectiva de ser “melhor” do que as demais crianças, elas são tratadas como “príncipes” e/ou “princesas”. Permite-se tudo, as regras não são definidas. Não há espaço para o convívio solidário. Neste tipo de educação os pais acabam tornando-se, escravos dos filhos.

Quando nos reportamos ao problema social que atinge nossos jovens na atualidade, dificilmente relacionamos com a educação recebida ou a falta dela. Cabe aos pais pensar no futuro que eles querem para seus filho(a)s, e adotar uma postura diferente a partir do hoje, baseada no valor maior: o amor. Que as crianças ensinem e aprendam a dar e receber; que respeitem a si próprios e os outros; que saibam o significado de viver em grupo; que saibam partilhar, serem solidários; que tenham compromisso e responsabilidade com as suas atitudes. Que os pais entendam definitivamente: não podemos privar as crianças dos desafios da frustração, pois ao serem privadas desta experiência, elas perdem a oportunidade de amadurecer e tornarem jovens saudáveis, seguros e prontos para a vida.

Geralda da Cunha Teixeira Ferraz é escrivã da Polícia, educadora, coordenadora geral do Orientar Centro Educacional  e radialista(graduada pela UFG com pós-graduação em Gestão Escolar e Assessoria de Comunicação pela UFG e Comunicação Pública pela ESPM/SP e Escola de Governo/GO)

Publicado no jornal “O Popular”, na edição do dia 12/02/2012.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

As crianças no tempo de minha avó

Filhas, netos, bisnetos e tataranetos da vó Mariquinha
Outro dia fui ao aniversário de 81 anos de uma das muitas tias que  tenho, a tia Maria, irmã de meu pai. Minha infância foi recheada de tios, primos e avô. Avô por parte de pai, porque meus avós maternos não os conheci, Também não me lembro da minha avó por parte de pai, a Mariquinha, mas essa virou lenda. Desde pequena sempre ouvi muitas histórias a seu respeito. Mulher que a vida lhe exigiu que fosse forte para cuidar dos 12 filhos. Mulher que acostumou-se com a rudeza da vida e das palavras. Por ser a primogênita, teve poucos privilégios. Trabalhou muito e não se fez de vítima, pela herança machista. Para criar seus filhos com dignidade, aprendeu que teria que lidar com firmeza, muitas vezes confundida com mulher de pavio curto. Tinha iniciativa e não se dava por vencida diante dos problemas que a vida se encarregava de colocar pelo seu caminho.

Diz a lenda que vó Mariquinha, que era mineira, veio com marido, filhos, pais e irmãos para Goiás, na época da construção da estrada de ferro, na boleia do caminhão.  Depois de morar em algumas fazendas, acompanhando o marido e os filhos, veio para Goiânia morar  numa casa nos arredores da Vila Santa Helena. Vó Mariquinha, tomava a iniciativa de resolver os problemas da família com os políticos da época. Não se fazia de rogada, ia a pé até o Palácio das Esmeraldas para falar com o governador, à época, Pedro Ludovico Teixeira, pedir emprego, tratamento de saúde, ou qualquer outra coisa que precisasse,  não aceitava "não" como resposta. 

Pois bem, tive a oportunidade de ouvir mais uma dessas histórias, essa inédita, na festa da tia Maria. Foi contada por sua filha Letícia. Apesar de engraçada, refletia a cultura e a educação de uma época, onde criança não podia expressar sua opinião, sob pena de levar umas boas chineladas, sem contar que era visto como criança mal-criada. Não é como hoje, que felizmente temos acesso a informações, a estudos e entendemos que as fases do desenvolvimento infantil devem ser respeitadas. Sabemos até que,  assim como os adultos elas são signatárias de direitos.

Vamos a história. Durante a festa da minha tia Maria, havia algumas crianças correndo e brincando pelo salão, tia Letícia, então fez questão de comentar a diferença da educação dos tempos atuais e dos tempos de sua juventude. Conta ela que Elicimar, um dos netos da minha vó Mariquinha, filho da minha tia Lourdes, que deveria ter em torno de três anos de idade, estava passeando na casa dela e ouviu quando ela lá da cozinha pediu o tempero para a comida que estava cozinhando: - Letícia, traz o 'sali', pra mim. Elicimar ouviu atentamente e não teve dúvidas, foi em direção da vó Mariquinha e a corrigiu: - Vó, não é 'sali', é sal! Foi o suficiente para ela ir tirar satisfação com a filha Lourdes, mãe do Elicimar, dizendo que ela precisava dar educação pro filho, que mal havia saído dos 'cueiros' e já estava querendo ensinar ela, que era sua avó. Aquilo era imperdoável e ela exigia que a mãe lhe desse umas boas palmadas para que ele aprendesse a respeitar os mais velhos! Era assim.