Qual o papel da imprensa e dos meios de comunicação
frente a uma sociedade democrática? O jornalista e sociólogo espanhol
Ignácio Ramonet em artigo intitulado, O quinto poder(2003), deu a medida exata do papel da imprensa e dos meios de comunicação, no período que antecedeu a revolução digital e a intensificação da globalização. Para ele, numa sociedade democrática os três poderes tradicionais – Legislativo,
Executivo e Judiciário – poderiam
falhar, cometer erros; a imprensa, no entanto, representava o poder
fiscalizador, aquele que frente às falhas e erros, investigava, denunciava,
criticava, resistia. Portanto, durante muito tempo, por atitudes corajosas, isentas e de
alto senso cívico, a imprensa e os meios de comunicação eram conhecidos com o
quarto poder.
No final do século XX, com o
avanço da globalização, do grande
capital, da privatização e a consequente redução do Estado, em detrimento do público, dos
direitos dos trabalhadores, também os
meios de comunicação , seguindo o mesmo movimento de concentração e fusão de
grandes empresas, tornam-se empresas com vocação planetária, onde os interesses econômicos prevaleciam em detrimento do poder fiscalizador.
A imprensa, de acordo com Ramonet,
deixou de ser vista como o quarto poder, perdeu
a sua função fundamental de
contrapoder.
Historicamente no Brasil, os meios de comunicação como veículo de comunicação de massa, estiveram atrelados ao poder político, usufruindo das benesses do Estado. Que o digam os Diários Associados de Assis Chateaubriand e Getúlio Vargas; ou a família Marinho e o Regime Militar, para não citar outros. Tal modelo centralizador proporcionou a políticos/empresários adquirirem concessões de tvs e rádios e jornais, dando origem as propriedades cruzadas. Uma forma de ter domínio sobre todos os meios de comunicação e utilizá-los de acordo com os interesses políticos de quem estava no Poder.
No Brasil os meios de comunicação estão
concentrados nas mãos de quatro ou cinco famílias, que têm uma relação nada
ética e baseada em interesses comuns, com as autoridades constituídas, fazendo
prevalecer os interesses dos grupos midiáticos em desfavor da sociedade brasileira. Aqui a lei que regulamenta os meios de comunicação e
deveria servir de parâmetros, limite, regras, está obsoleta, data de 1962. Não existe vontade
política e muito menos das empresas de comunicação de mudar o que aí está!
Qualquer manifestação em contrário é imediatamente abafada, execretada, morta e
sepultada! A primeira e única Conferência Nacional de Comunicação(2010), é talvez, o maior exemplo disso. Ela foi construída com muita dificuldade, boicotada pelos
grandes veículos de comunicação e em alguns estados, como foi o Estado de
Goiás, o Executivo, não se deu o trabalho
de convocá-la. A iniciativa partiu de representante do Legislativo goiano (Mauro
Rubem), de instituições públicas como a Universidade Federal de Goiás e de
organizações não governamentais como o
Fórum pela Democratização da Comunicação, a Associação Mulheres na Comunicação
e o Centro Cultural Cara Vídeo. A
Conferência Nacional de Comunicação foi uma dúvida até horas antes de sua abertura, devido a pressão da única emissora de TV, a Bandeirantes, que ameaçava, sair comprometendo assim, a legitimidade da convenção. Infelizmente, apesar do governo Lula ter sido o grande responsável pela empreitada, não encaminhou nenhuma das decisões retiradas daquela histórica
conferência! Certamente, se tivessem se concretizado, nossa realidade hoje, seria outra!
Apesar
das particularidades do modelo tupiniquim, as empresas de comunicação brasileira e consequentemente os meios de comunicação seguem a vocação mundial: estão a
favor dos grandes interesses econômicos e contra os direitos da maioria da população, como diz Ramonet, com o objetivo de esmagar o cidadão.
Ramonet aponta alternativa a esta cooptação do quarto
poder: criar o quinto poder. E como
seria este quinto poder? Ele nos ensina:
Um “quinto poder” cuja função seria a de denunciar o superpoder dos
grandes meios de comunicação, dos grandes grupos da mídia, cúmplices e
difusores da globalização liberal. Meios de comunicação que, em determinadas
circunstâncias, não só deixaram de defender os cidadãos, mas, às vezes, agem
explicitamente contra o povo.
A mesma revolução digital que serve a concentração das empresas de comunicação e a sua vocação planetária de concentração dos meios e da produção, por outro lado, possibilita a
atuação dos movimentos e profissionais
que atuam na defesa, na fiscalização e no enfrentamento aos grandes grupos de
comunicação. Os movimentos de comunicação
popular são exemplos disso, organizados em associações, organizações não
governamentais, fóruns e coletivos, hoje utilizam da internet e das redes sociais, assim como de ferramentas de baixo custo para atuar na contramão das empresas de comunicação. Podemos
citar a Amarc – Associação Mundial de Rádios Comunitárias, organismos que atuam em rede como o Mídia Ninja, o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão
de Itararé, o jornal semanal político Brasil
de Fato, criado por ocasião do Fórum
Social de Porto Alegre, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, a
organização não governamental Artigo 19. Estes são alguns com atuação
nacional e mundial, e, pensando na comunicação local, podemos falar da Associação Mulheres na Comunicação, do Comitê de Direitos Humanos D. Tomás
Balduíno, da rádio comunitária Noroeste! Para Ramonet, tais exemplos
constituem em contrapeso indispensável ao excesso de poder dos grandes grupos
de comunicação. Tais entidades têm responsabilidade coletiva, em nome do
interesse superior da sociedade e do direito dos cidadãos e cidadãs de serem
bem informados e ficarem protegidos contra a sociedade das manipulações da
mídia. E eu acrescento, protegidos contra a manipulação das fake News!
Geralda Ferraz
Radialista, jornalista,
educadora, articulista do blog Comunicação, Educação e Gênero, militante dos movimentos
de Direitos Humanos.
Fonte Bibliográfica:
1. O quinto poder, Ignácio de Ramonet, Publicado
na edição brasileira do Le Monde Diplomatique nº 45, outubro de 2003.