segunda-feira, 20 de abril de 2020

Mídia Alternativa – o quinto poder


Qual o  papel da imprensa e dos meios de comunicação frente a uma sociedade democrática? O jornalista e sociólogo espanhol  Ignácio Ramonet em artigo intitulado,  O quinto poder(2003),  deu a medida exata do papel da imprensa e dos  meios de comunicação, no período que antecedeu a revolução digital e a intensificação da globalização.  Para ele, numa sociedade democrática os três poderes tradicionais – Legislativo,  Executivo e Judiciário – poderiam falhar, cometer erros; a imprensa, no entanto, representava o poder fiscalizador, aquele que frente às falhas e erros, investigava, denunciava, criticava, resistia. Portanto, durante muito tempo, por atitudes corajosas, isentas e de alto senso cívico, a imprensa e os meios de comunicação eram conhecidos com o quarto poder.

No final do século XX, com o avanço da globalização,  do grande capital, da privatização e a consequente redução do Estado, em detrimento do público, dos direitos dos trabalhadores, também  os meios de comunicação , seguindo o mesmo movimento de concentração e fusão de grandes empresas, tornam-se empresas com vocação planetária, onde os interesses econômicos prevaleciam em detrimento do poder fiscalizador. A  imprensa, de acordo com Ramonet, deixou de ser vista como o quarto poder, perdeu  a sua função  fundamental de contrapoder.

Historicamente no Brasil, os meios de comunicação como veículo de comunicação de massa, estiveram  atrelados ao poder político, usufruindo das benesses do Estado. Que o digam os Diários Associados de Assis Chateaubriand e Getúlio Vargas; ou a família Marinho e o Regime Militar, para não citar outros.  Tal modelo centralizador  proporcionou a políticos/empresários  adquirirem concessões de tvs e rádios e jornais, dando origem as propriedades cruzadas. Uma forma de ter domínio sobre todos os meios de comunicação e utilizá-los de acordo com os interesses políticos de quem estava no Poder.

No Brasil os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de quatro ou cinco famílias, que têm uma relação nada ética e baseada em interesses comuns, com as autoridades constituídas, fazendo prevalecer os interesses dos grupos midiáticos em desfavor da sociedade brasileira. Aqui a lei que regulamenta os meios de comunicação e deveria servir de parâmetros, limite, regras, está obsoleta,  data de 1962. Não existe vontade política e muito menos das empresas de comunicação de mudar o que aí está! Qualquer manifestação em contrário é imediatamente abafada, execretada, morta e sepultada!  A primeira e única  Conferência Nacional de Comunicação(2010), é talvez, o maior exemplo disso. Ela foi construída com muita dificuldade, boicotada pelos grandes veículos de comunicação e em alguns estados, como foi o Estado de Goiás,  o Executivo, não se deu o trabalho de convocá-la. A iniciativa partiu de representante do Legislativo goiano (Mauro Rubem), de instituições públicas como a Universidade Federal de Goiás e de organizações não governamentais como  o Fórum pela Democratização da Comunicação, a Associação Mulheres na Comunicação e o Centro Cultural Cara Vídeo.  A Conferência Nacional de Comunicação foi uma dúvida até horas antes de sua abertura,  devido a pressão da única emissora de TV, a Bandeirantes, que ameaçava, sair  comprometendo assim, a legitimidade da convenção. Infelizmente, apesar do governo Lula ter sido  o grande responsável pela empreitada, não encaminhou nenhuma das decisões retiradas daquela histórica conferência! Certamente, se  tivessem se concretizado,  nossa realidade hoje, seria outra!

Apesar das particularidades do modelo tupiniquim, as empresas de comunicação brasileira e consequentemente os meios de comunicação seguem a vocação mundial: estão a favor dos grandes interesses econômicos e contra  os direitos da maioria da população, como diz  Ramonet, com  o objetivo de esmagar o cidadão.

Ramonet  aponta alternativa a esta cooptação do quarto poder: criar o quinto poder.  E como seria este quinto poder? Ele nos ensina:  Um “quinto poder” cuja função seria a de denunciar o superpoder dos grandes meios de comunicação, dos grandes grupos da mídia, cúmplices e difusores da globalização liberal. Meios de comunicação que, em determinadas circunstâncias, não só deixaram de defender os cidadãos, mas, às vezes, agem explicitamente contra o povo.  

 A mesma revolução digital que serve a concentração das empresas de comunicação e a sua vocação planetária de concentração dos meios e da produção, por outro lado,  possibilita a atuação  dos movimentos e profissionais que atuam na defesa, na fiscalização e no enfrentamento aos grandes grupos de comunicação. Os movimentos de comunicação popular são exemplos disso, organizados em associações, organizações não governamentais, fóruns e coletivos, hoje utilizam da internet e das redes sociais, assim como de ferramentas de baixo custo para atuar na contramão das empresas de comunicação.  Podemos citar a Amarc – Associação Mundial de Rádios Comunitárias,  organismos que atuam em rede  como o Mídia Ninja,  o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, o jornal semanal  político Brasil de Fato,  criado por ocasião do Fórum Social de Porto Alegre, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, a organização  não governamental  Artigo 19. Estes são alguns com  atuação nacional  e mundial,  e,  pensando na comunicação local, podemos falar  da Associação Mulheres na Comunicação, do Comitê de Direitos Humanos D. Tomás Balduíno,  da rádio comunitária Noroeste!  Para  Ramonet,  tais exemplos constituem em contrapeso indispensável ao excesso de poder dos grandes grupos de comunicação. Tais entidades têm responsabilidade coletiva, em nome do interesse superior da sociedade e do direito dos cidadãos e cidadãs de serem bem informados e ficarem protegidos contra a sociedade das manipulações da mídia. E eu acrescento, protegidos contra a manipulação das fake News!

Geralda Ferraz
Radialista, jornalista, educadora, articulista do blog Comunicação, Educação e Gênero, militante dos movimentos de Direitos Humanos.

Fonte Bibliográfica:
1.    O quinto poder, Ignácio de Ramonet, Publicado na edição brasileira do Le Monde Diplomatique nº 45, outubro de 2003.

Direitos Humanos existem?


Artigo publicado no jornal O Popular - 12/12/2019

Geralda Ferraz, radialista, educadora e ativista pelos Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos,  promulgada em 10 de dezembro de 1948, completa 71 anos e continua sendo  parâmetro fundamental para as relações humanas  em qualquer âmbito.  Tornou-se lugar comum tratar os Direitos Humanos como algo distante de nós. É prática de ignorantes, equivocada  e maldosa  se referir aos Direitos Humanos como  invenção de grupos de pessoas que defendem  bandidos! Em que pese ninguém parar pra pensar que bandidos são seres humanos, não seres de outro planeta! Têm histórias, e na maioria das vezes, histórias silenciadas pela ausência dos Direitos Humanos em seus lugares de origem!
Hoje quando se fala em  Direitos Humanos, vale a pergunta:  para onde caminha a humanidade? A velocidade imposta pela  vida contemporânea,  tem nos feito cada vez mais irracionais e impulsivas. O estilo fast-food ( comida rápida) de viver, não nos permite relações afetivas,  a convivência e muito menos a reflexão! Todas as nossas ações precisam estar em consonância com as  “necessidades” deste  tempo.  Não há tempo para as paradas! Cada vez mais somos impelidas a viver sozinhas, mesmo vivendo em sociedade! A lógica é, se eu resolver o meu problema, já está de bom tamanho!  
O estilo fast-food de viver está em consonância com o modelo econômico neoliberal e suas medidas que incentivam a liberdade de mercado e a diminuição do Estado e consequentemente a flexibilização das leis trabalhistas, a diminuição das políticas sociais para o combate das desigualdades sociais, a diminuição dos recursos para as áreas da  Educação, Saúde e  Segurança Pública, dentre outras!  
Ao contrário do discurso que valida as mudanças  econômicas e o alinhamento ao modelo neoliberal ,  que coloca o mercado como centro das decisões, transferindo  o ônus  destas mudanças  para a população  empobrecida, é preciso colocar as pessoas, todas elas, com suas especificidades, diferenças, diversidades, crenças, a frente de todo e qualquer modelo econômico! Só assim, poderemos falar de Direitos Humanos como condição inegociável para todos! Só assim, conseguiremos combater as desigualdades sociais e fazer justiça social!
A nossa realidade demonstra que é  urgente pensarmos soluções para a garantia de direitos da população em situação de rua, para o genocídio  da juventude negra e de periferia, para a criminalização e extermínio dos indígenas,  para o assentamento das pessoas que lutam pela terra, para a  população LGBTTs, para a liberdade de expressão, para a vida digna e sem violência das mulheres  e   tantos outros direitos usurpados todos os dias, pela ausência do Estado, onde ele  deveria estar presente,  e o excesso dele, onde ele deveria garantir  a vida digna para todas as pessoas!
Onde o mercado e o lucro são mais importantes que as pessoas, não há garantia de direitos!

Masculinidade Tóxica

Publicado no jornal O Popular - 17.10.2019

O tempo tem sido testemunha de grandes mudanças no comportamento humano, impulsionados pelas exigências de um novo modo de viver, que passa pela condução da vida para o sucesso na perspectiva do TER, inversamente proporcional ao SER. As pessoas encontram-se diante de grandes desafios. Como avançar na convivência/relacionamento humano, sem reconhecer suas raízes, superar o que não os faz melhor, para tornarem-se melhores? A masculinidade tóxica é um comportamento atual, resquício da sociedade patriarcal, potencializada na nossa sociedade e que têm contribuído no aumento da violência, sobretudo da violência contra a mulher. 


Professor na Universidade de Córdoba -  Espanha, Octávio Salazar, é autor do livro "El hombre que no deberíamos ser", afirma que há uma construção simbólica do que é ser homem, que precisa mudar, quando se pensa uma sociedade mais justa. Ele cita alguns exemplos que estão presentes na nossa sociedade e que atrapalham a busca da sociedade igualitária: meninos não choram – não podem ser sensíveis. Meninos engolem o choro e não demostram frustrações;  meninos  precisam brigar -  uma cultura que enfatiza a agressividade como uma característica masculina. O diálogo nunca é apresentado como forma  de resolver os conflitos; coisas de meninos – condutas que reafirmam padrões  equivocados da nossa cultura, de forma que meninos que demonstram interesses em brincadeiras diferentes dos modelos dominantes, passam a ser oprimidos, discriminados; bicha, mariquinha, fresco -  são termos comuns ditos nas famílias, quando veem  meninos  que demonstram preferências em  brincadeiras diferentes do que culturalmente foi associado ao universo masculino, reforçando o discurso homofóbico  e a convicção patriarcal de que há uma única forma de ser homem; o homem é uma máquina sexual - modelo de homem que para ser considerado macho,  precisa ter várias parceiras sexuais e que naturalmente tem comportamento abusivo em relação às mulheres; homem responsável /homem molenga - os homens não podem exercer suas responsabilidades como parceiros, pais, sob pena de serem considerados fracos e comandados pelas mulheres;  e por fim ideia  de que o homem é um ser bruto, de  características animalescas e  que portanto, não pode ser  sensível, culto e de boa educação, como recentemente em vídeo, um certo pastor, insinuou ao falar  das características que um homem deve ter para ser o “cabeça”  do lar.

A masculinidade tóxica é inversamente proporcional ao modelo de homem em uma  sociedade igualitária. O tema vem sendo pautado, inclusive por homens em busca de respostas para suas angústias na vida contemporânea. Debater o assunto é  contribuir na superação da violência doméstica e na construção de uma sociedade de iguais!

Juventude Sacrificada

Publicado no jornal O Popular, 22.02.2019

Rio de Janeiro, fevereiro de 2019: dez jovens morrem carbonizados na concentração do Flamengo. Goiânia, maio de 2018: dez jovens morrem carbonizados em uma cela! Enquanto as vítimas do “Ninho do Urubu” buscavam no futebol, a realização de seus sonhos, as vítimas do Centro de Internação Provisória (CIP), tinham um sonho em comum, a liberdade!

A violência que mata, tem um perfil de vítimas: na maioria negros, de origem pobre, que sonham ficarem ricos, tirar a família da pobreza e serem reconhecidos, assim como seus ídolos! A gente sabe que este é um sonho de milhares de jovens. Muitos inclusive, usados por pessoas que se autointitulam empresários e que enriquecem como este tipo de negócio. Quantas famílias não se sacrificam, para financiar o sonho dos filhos e os seus?

Vivemos tempos difíceis! Durante os últimos 30 anos testemunhamos avanços e conquistas sociais baseadas em leis que pensavam a educação de crianças e jovens; a inclusão da população negra empobrecida! Presenciamos movimentos, organizações não governamentais reivindicando junto aos governos a garantia de tais direitos, mudando a história e o destino de milhares de jovens.
Ainda que os avanços existissem, era claro que havia muito por fazer! A mudança de paradigmas, da meritocracia, para o direito de todos; do Brasil no mapa da violência, para a diminuição das desigualdades, estava longe de ser alcançada.

Com os últimos acontecimentos sociais e políticos em nosso país, eis que o dito popular “nada é tão ruim, que não possa piorar”, tem ganhado formas de filme de terror. Medidas governamentais que congelam investimentos em áreas estruturantes como Educação, outras que autorizam policiais atirarem para matar, possibilitando execuções dos que estão em condições de vulnerabilidade; extinção de ministérios e secretarias e a nomeação de pessoas sem perfis técnicos para áreas estratégicas, nos deixam apreensivos e desesperançados!

Se nada for feito em favor das vidas de nossas crianças e jovens que vivem à margem da sociedade, em pouco tempo teremos um exército de jovens enclausurados em um sistema penitenciário falido e outro tanto mortos em “confrontos” ou tragédias anunciadas. Diante disso, não é preciso fazer exercício de futurologia: a realidade já aponta para um país envelhecido que sacrifica sua juventude em nome de falsas políticas desenvolvimentistas!

Mulher seu nome é luta