sábado, 4 de dezembro de 2010

É preciso dar significado a história dos povos afrodescendentes


Geralda Ferraz

A linha do tempo de nossas vidas nem sempre  parece ter significado,  principalmente quando somos bem jovens. É preciso que este tempo, aliado as nossas experiências diárias nos despertem para o aprendizado nas situações vivenciadas.

Há alguns anos conheci D. Maria José. Mulher negra, de origem humilde, e de muita luta. À época, estava acompanhando um grupo de alunos, na comunidade N.Sª do Rosário, que fica na Vila João Vaz. Tínhamos o propósito de assistir a apresentação dos ternos de Congada. Na entrada da igreja surgiu D. Maria José. Na sua altivez, simbolizava toda autoridade de uma líder comunitária, com um turbante de cores afro na cabeça, uma túnica longa, trazendo a bíblia nas mãos e dançado ao som dos ritmos africanos. Sincretismo religioso, ecumenismo. Possivelmente é o que geralmente as pessoas identificam em eventos como aquele. Para mim, aquela figura transbordava amor e lealdade às suas raízes, perseverança, resistência e sabedoria.

Pouco tempo depois, em uma outra atividade dos movimentos sociais, escutei-a em um programa de rádio falando sobre a urgência de políticas públicas para a população negra goiana. Havia pessoas morrendo em conseqüência da anemia falciforme e pouco ou quase nada estava sendo feito. Ela acabara de perder um sobrinho, que perambulara entre um posto de saúde e outro, sem que tivessem diagnosticado a doença a tempo de receber um tratamento digno, que evitasse a morte. Existia, por parte da Saúde Pública, um desconhecimento de como identificar e tratar este mal que atingia e atinge a população afrodescendente.

D. Maria José ainda me proporcionou muitos momentos, em que sua presença traduzia-se em ensinamentos para o nosso cotidiano. Um em  especial, foi quando ela participou de um debate. Era admirável pela sua lucidez e discernimento. Chamou a atenção para uma situação que estava presente na sua rotina diária e que passava ao largo das prioridades governamentais. Ao entrar em uma loja, em Campinas, percebeu que estava sendo preterida pela vendedora e denunciou. Disse em alto e bom som, “fui discriminada porque sou mulher, preta, pobre e idosa, já pensou minha filha?”

Poucos momentos são tão emocionantes na minha memória, como a homenagem prestada a D. Maria José, pela sua família e a comunidade N. Sª do Rosário, durante a missa de 7º dia. Ela faleceu no início de 2009, vítima de um acidente de trânsito, pouco depois de deixar sua neta no hospital para dar à luz. Na igreja o clima era de festa. As oferendas lembravam os rituais africanos. Muita comida, pipoca, frutas que após a celebração foram distribuídas às pessoas presentes. A procissão do ofertório feita pelos seus netos, era um misto de dor, expressada nas lágrimas que rolavam silenciosamente nos rostos de cada um, e de reafirmação de suas raízes culturais, com  vestimentas, adereços, ritos e cantos que lembravam o povo afro. Momento de beleza e de profundo significado para todas as pessoas que pensam uma sociedade de iguais.

Fazer a memória de D. Maria José, líder comunitária de muitas lutas, seja no Alto da Poeira, na Vila João Vaz, na resistência cultural com os ternos de Congada, seja na Igreja, como integrante da Pastoral do Negro(a), é dar significado a história do povo negro, que sofre e luta dia-a-dia para terem reconhecidos o direito a uma vida digna. É resgatar uma história de resistência, mas também de exclusão e marginalização.

Por que ainda existe resistência em reconhecer o valor, a contribuição do povo negro na história brasileira? Por que teimam em ignorar que a Liberdade para os negros não veio acompanhada de condições  dignas de vida? Quando reconhecerão que as políticas públicas e afirmativas são fundamentais? Quanto tempo ainda será necessário para se reparar todas as desigualdades em relação ao povo negro?

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A participação das mulheres na política

A participação das mulheres na política





Com a recente eleição presidencial e a vitória da primeira mulher para ocupar o cargo mais alto do executivo nacional, o artigo escrito abaixo e publicado no período da campanha torna-se atual e nos convida a uma reflexão mais profunda sobre a participação das mulheres na política...

Ao vermos duas candidatas mulheres concorrendo a presidência da República, a impressão que se tem é que o Brasil está à frente de muitos países quando o assunto é a participação das mulheres na política. A realidade não é o que parece ser!

O século XX representou para as mulheres um divisor de águas em relação às conquistas pelos seus direitos. Porém, mesmo com todos os avanços, existem áreas em que as desigualdades persistem, prevalecendo o olhar, o fazer masculino, sem contemplar as diferenças e diversidades. A política é uma delas. Muitos países avançaram e na ocupação dos espaços de poder prevalece o equilíbrio. Não é o caso do Brasil.

A conquista do voto nos anos 30, início do século XX, não representou o ‘empoderamento’ da mulher na vida política brasileira. Na visão predominante dos representantes políticos, a presença da mulher deveria ficar restrita ao voto. A militância política, também ficava restrita a tarefas consideradas menores - uma extensão dos afazeres domésticos. Ainda hoje nos partidos políticos, a participação das mulheres no trabalho burocrático ou de militância de base é considerável, mas, à medida que as decisões políticas se afunilam, a presença feminina é quase nula.

Para que as mulheres tivessem uma participação efetiva no processo eleitoral, foi necessário que elas fossem à luta e conquistassem o direito a participação, garantindo o preenchimento de um percentual de candidatas nos partidos políticos. Porém, não foi suficiente para garantir a presença das mulheres nos espaços de poder.

Mulheres militantes de partidos políticos dão conta que o relacionamento interno seja em partido de esquerda, centro ou de direita é extremamente difícil. As mulheres continuam sendo vistas como apêndices e invisibilizadas. Muitas inclusive, desistem, não suportam a pressão psicológica, o sentimento de culpa, já que para exercer o direito de participar da vida política, têm que abrir mão da sua vida pessoal, e do que na sociedade patriarcal, instituiu-se como tarefa da mulher, o cuidado com a família.

Todo este conjunto de fatores favoráveis a não participação das mulheres na política, fazem do Brasil, um dos países com menor participação política de mulheres no parlamento. De acordo com o ranking da União Interparlamentar (IPU, sigla em Inglês), que mede a participação das mulheres no parlamento, entre os 180 países que compõe a lista, o Brasil ocupa o 148º lugar. Em relação aos países da América do Sul, o Brasil é o país com a menor participação.

É certo que precisamos nos aprofundar na reflexão sobre os fatores que contribuem para que as mulheres não avancem na participação política. Além dos já citados, é preciso que o Estado invista em políticas públicas de infra-estrutura que beneficiem as mulheres e que elas possam dividir a tarefa de cuidar dos seus. Tarefas que acabam sobrecarregando e limitando o tempo que as mulheres poderiam dedicar à prática política. Também é preciso repensar o processo eleitoral brasileiro baseado no poder econômico, na privatização das campanhas eleitorais, nas práticas de influências que só aumentam o fosso da desigualdade entre os candidatos e as candidatas.



Geralda da Cunha Teixeira Ferraz

Escrivã de Polícia – Assessora de Imprensa

Presidenta da Associação Mulheres na Comunicação

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Fazer Justiça é celebrar o amor a VIDA

“Hoje de manhã, ao sair de casa para levar as crianças ao colégio, tive que despistar o jardineiro que logo me procurava ao telefone. Disse para meu filho baixinho: - diga que não estou! Ele queria receber. Só que o dinheiro que eu tinha para pagá-lo, foi para a cervejinha na noite anterior. Olhei para o relógio e percebi que se não apertasse o pé, novamente os meninos chegariam atrasados na Escola e eu teria que arrumar outra desculpa!”

O trecho acima é uma estória inventada, mas bem que faz lembrar muita gente de carne e osso. Convido a cada pessoa a fazer uma reflexão neste período de quaresma, tempo de conversão! Período que nos propõe mudanças a partir daquilo que nos faz pecadores na nossa rotina diária.

O personagem desta estorinha é um pai de família, podemos imaginá-lo assim. Aparentemente cumpridor dos seus deveres de pai, esposo, cidadão. Porém, nas pequenas coisas deixa transparecer todos os seus costumes e vícios, como pensa, como age. Ele mente, desrespeita as normas e leis, demonstra ser egoísta, buscando levar vantagem em tudo. Na nossa estorinha percebemos ainda, que o pai ao fazer suas obrigações diárias, vai dando exemplos para os filhos de como viver em sociedade.

Exemplos baseados na lei de Gerson, “levar vantagem”! O personagem bem que poderia representar o João, o José, a Maria ou a Joana, pessoas que estão a nossa volta, ou até nós mesmos, cumpridoras dos deveres cristãos, e, extremamente contraditórias. Capazes de dar com uma mão e tomar com a outra.

Quando falamos de conversão / mudança, queremos falar das pequenas mudanças. Das nossas atitudes diárias que caminham do lado oposto ao que pregamos e aprendemos nos evangelhos. E é a partir das escrituras sagradas, sem perder o foco da atualidade que a Campanha da Fraternidade de 2010, traz um tema que nos leva a refletir a VIDA em todos os níveis: pessoal, social, comunitário e eclesial.

O tema “Economia e Vida” – Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro (Mt 6,24), nos propõe uma reflexão: uma economia a serviço da vida, na construção de uma sociedade sem exclusão. Não é fácil pensarmos a vida, em uma sociedade em que os valores da vida foram substituídos pelos valores do poder e do dinheiro. Parece ser impossível enxergarmos uma luz no fim do túnel. Nossa sociedade está fundamentada na desigualdade, na exclusão, no consumismo desenfreado, no egoísmo. É a sociedade onde poucos têm muito e muitos não têm nada!

Estamos convictos que é por causa desta sociedade, que hoje está a serviço do dinheiro, que precisamos urgentemente mudar o rumo das coisas, e, para isso precisamos converter a nós, a comunidade, a sociedade, a Igreja. Precisamos mudar o rumo das histórias de tantos personagens de carne e osso a partir da nossa própria casa. Mas como fazer? É possível?

O segredo é começarmos por nós mesmos valorizando todas as pessoas como gente, vivenciando a máxima de que somos imagem e semelhança do Deus criador. Dar significado a tudo que adquirimos e temos. O que estou comprando é necessário para minha vida? Para que comprar um novo utensílio, se o que tenho está em bom estado de uso? Re-aprender a conviver em comunidade, ver no meu vizinho o meu semelhante, digno do meu amor, do meu cuidado. Praticarmos a nossa fé, nas atitudes diárias, através dos nossos princípios e valores humanos. Como posso querer o bem para mim, prejudicando o meu irmão? Estou colaborando para que a minha comunidade seja mais harmoniosa, menos violenta? Colaboro com a limpeza? Colaboro com o trânsito? A minha atitude está prejudicando alguém?

A conversão se dá também na minha atuação enquanto cidadã e cidadão. Não posso aceitar a miséria, a corrupção, a negligência, sem me posicionar. É preciso que eu também me veja como parte de um universo maior, sendo assim, eu me sensibilizo com a dor do ‘outro’ e não me calo diante das desigualdades, da miséria, da fome e da morte. Eu me coloco como agente ativo em uma sociedade na reivindicação, na luta, na valorização da VIDA. Eu me faço membro de uma Igreja viva que exige e ajuda a construir um modelo econômico de solidariedade e justiça para todas as pessoas.

Quando pensamos que somos parte de uma comunidade universal, precisamos urgentemente nos posicionarmos em defesa da Vida na Terra. Hoje é imprescindível: “Cuidar do planeta não é um slogan, mas um dever da nossa fé e um dever para com a vida”. A mudança de atitude frente a todo o desrespeito com a nossa casa – a Terra – é que possibilitará a continuidade da VIDA, não da minha vida, mas de todos os seres VIVOS habitantes deste planeta.

Quero ainda nesta reflexão me reportar a mensagem do papa Bento XVI quando nos fala sobre a quaresma. Ele questiona: “Qual é, portanto, a justiça de Cristo? ... e responde... é a justiça do amor, de quem se sente em todo o caso sempre mais devedor que credor, porque recebeu mais do que aquilo que poderia esperar. Portanto, fortalecido nesta experiência de Amor, o Cristão é levado a contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homem e onde a justiça é vivificada pelo Amor”.

Que neste tempo de conversão e mudanças concretas possamos reescrever nossas histórias:... “Hoje de manhã, ao sair de casa para levar as crianças ao colégio, tive que atender ao jardineiro que me procurava ao telefone. Disse para meu filho: - diga para ele que pode vir buscar o seu pagamento!. Olhei para o relógio e percebi que ainda tinha um tempo para separar o lixo para a coleta seletiva. As crianças ficavam felizes e sempre tinham histórias para contar na escola, sobre o trabalho que fazíamos em casa pensando em um mundo sustentável...”

Fonte bibliográfica: L’osservatore Romano e Construir Notícias

Geralda da Cunha Teixeira Ferraz –
Radialista e especialista em Comunicação Pública, Assessoria de Comunicação e Gestão Escolar.

Tempo de recolhimento e reflexão

Para nós, cristãos, a Semana Santa é um período de reflexão, recolhimento, a fim de meditarmos sobre as nossas próprias vidas, o que temos feito para sermos melhores como seres humanos. Ser cristão nos dias de hoje requer muita atenção a tudo o que nos cerca. O nosso mundo, o mundo atual, está embalado em várias formas, todas elas muito sedutoras. É um mundo onde tudo se pode comprar. De objetos pessoais até viagens à Lua. É um mundo inebriante, que salta aos olhos. Que nos leva a crer que tudo é possível se tivermos muito dinheiro.

Será que podemos comprar amor, carinho? Podemos comprar dignidade? Podemos comprar solidariedade, compaixão? Podemos comprar valores como honestidade? Verdade? Não. Mas, se não podemos comprar esses bens, como conseguir encontrá-los em um mundo consumista e competitivo que estimula o ter e deixa em segundo plano o ser?
Procuremos, portanto, nesta semana, retomar atitudes perdidas ao longo do tempo, mas que certamente foram tão presentes em algum momento de nossas vidas. Vamos vivenciar esta Semana Santa não só como mais um feriado para descanso, mas, sobretudo, dias para que nos recolhamos e nos voltemos para nós mesmos. Façamos um exercício de autoconhecimento.Ao nos dar a conhecer, certamente estaremos mais próximos de Deus e consequentemente mais próximos de nossos semelhantes.

Aproveitando o tema da Campanha da Fraternidade, Economia e Vida, que este ano conta com a participação de várias denominações religiosas, meditemos em uma Páscoa que tenha um sentido novo na vida de cada um. Que a ressurreição que comemoramos signifique para nós mudança de vida. Do egoísmo para a solidariedade. Do individualismo para a cooperação. Das trevas para a luz. Da morte em vida para a vida plena.

Se nos dermos esta chance, se nos amarmos como Jesus nos amou, é bem possível que nos surpreenderemos desafiando alguns dos males deste século, o estresse, a solidão, a depressão, o desamor, a indiferença – e conseguiremos dar significado para a vida, percebendo no outro o Cristo ressuscitado.

Feliz Páscoa!

Geralda Ferraz