quarta-feira, 3 de julho de 2024

Dicionário biográfico reúne histórias de 100 mulheres afrodiaspóricas que ajudaram a construir o Brasil

Em celebração ao Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, que será comemorado no dia 25 de julho, a editora Tempestiva disponibilizou, em versão eletrônica, o Dicionário Biográfico: Histórias Entrelaçadas de Mulheres Afrodiaspóricas. Organizado pelas professoras e pesquisadoras Thaís Alves Marinho e Rosinalda Corrêa da Silva Simoni, o dicionário foi lançado no final em dezembro de 2023 durante o 1º Simpósio Internacional sobre Histórias Entrelaçadas (SIHE), o 1º Simpósio Internacional da Rede Latino-Americana e Caribenha sobre Feminismos de Terreiros (Relfet), a 18ª Semana Científica de História da PUC Goiás e o 7º Seminário das Linhas de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História da PUC Goiás. Segundo as organizadoras, a ideia nasceu da necessidade de dar visibilidade às trajetórias de mulheres afrodiaspóricas que, ao longo dos séculos, contribuíram para a construção do Brasil. Foi observando o fenômeno social, nomeado pelas pesquisadoras de “feminismos de terreiros”, que elas elaboraram o projeto com o objetivo de documentar as histórias de cem mulheres que viveram processos de rupturas, continuidades e adaptações provenientes do Atlântico Negro. A partir da ideia inicial, as pesquisadoras convidaram outras mulheres, com acúmulo e domínio na temática proposta, para escreverem as histórias reais de mulheres invisibilizadas pelas desigualdades sociais na linha histórica do Brasil. A seleção dos verbetes e das mulheres biografadas foi feita, portanto, com base na especialidade das autoras colaboradoras, considerando a relevância política, cultural, religiosa e social das personagens históricas para suas comunidades. As organizadoras reiteram que grande parte das autoras são mulheres negras, cujas próprias trajetórias refletem nuances de racismo e sexismo, mas também resiliência e empoderamento. A participação masculina no livro foi condicionada à coautoria com uma mulher, visando superar a ocultação e silenciamento histórico das mulheres afrodiaspóricas. O projeto contou com o apoio da Rede Latino-Americana e Caribenha de pesquisas sobre Feminismos de Terreiros (Relfet), da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), da Associação Nacional de História seção Goiás (ANPUH-GO), do GT de Gênero da ANPUH Nacional e do Programa de Pós-Graduação em História da PUC Goiás, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Leitura necessária para todas as pessoas que queiram aprofundar seus conhecimentos sobre a vida de mulheres que superaram o preconceito de gênero, etnia, condição social e que, através das lutas cotidianas, ratificaram suas identidades e fizeram de suas existências a razão maior da defesa de seu povo, o dicionário oferece a oportunidade de conhecer mulheres de todos os rincões de nosso país. Muitas encantadas, outras que continuam entre nós vivas, atentas e fortes! Acesse o Dicionário Biográfico: Histórias Entrelaçadas de Mulheres Afrodiaspóricas. FLUP A 2ª edição do dicionário será lançado nos dias 10 e 15 de novembro de 2024, durante a Festa Literária das Periferias – FLUP 2024, que será realizada no Circo Voador, Rio de Janeiro, homenageando a historiadora Beatriz Nascimento. O evento terá patrocínio da Fundação Roberto Marinho, Editora Malês e Fundação Ford. Desta vez, além da edição eletrônica, haverá a versão física. As autoras dos verbetes receberão uma cópia impressa durante o lançamento no Rio de Janeiro. A professora Nubia Regina Moreira, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, autora do verbete sobre a história da professora Edna Ribeiro, baiana de Vitória da Conquista, celebrou a publicação, com um depoimento potente, afirmando que o livro é “um ato de insurgência tecido pela Relfet, onde ficam e ficarão registradas as escrevivências das mulheres negras em e na diáspora negra”. “Biografar mulheres negras é um ato de coragem político-epistemológico. É um exercício de escavação das vidas de mulheres que transformaram o cotidiano para si e para as suas comunidades. Como todo exercício de escavação foi preciso unir pontas, fazer redes e apostar que através dos vestígios documentais, das conversas, das imagens, das músicas, das rasuras nos livros, e dos sinais arqueológicos fosse possível produzir um Dicionário de Mulheres Afrodiásporicas. Fruto desse esforço se deve ao fato de que as histórias das mulheres negras estão em curso e é a partir de mãos de outras mulheres negras que elas estão sendo escritas e publicadas”, concluiu. Os 2º e 3º volumes do dicionário biográfico, com histórias de mais 200 mulheres, de acordo com Rosinalda Simoni, já está em fase de finalização e tem previsão de lançamento para o ano de 2025. Organizadoras Thais Alves Marinho – Fez estágio pós-doutoral em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e em História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora dos Programas de Pós-Graduação em História (PPGHIST) e em Ciências da Religião (PPGCR) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Membra cofundadora da Rede Latino-Americana de Pesquisas sobre Feminismos de Terreiros (Relfet). Líder do Grupo de Pesquisa Memória Social e Subjetividade. E-mail: thais_marinho@hotmail.com. Rosinalda Corrêa da Silva Simoni – Fez estágio pós-doutoral em História na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Doutora em Ciências da Religião pela PUC – GO. Mestre em Gestão do Patrimônio Cultural também pela PUC – GO. Graduada em História pela UEG. Membro do Grupo de Mulheres Negras Malunga e da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB). Diretora Fundadora da empresa Tekohá Pesquisas Patrimoniais. Email: rosinegra@gmail.com. Geralda Cunha é radialista, jornalista, mestra em Educação, ativista pelos Direitos Humanos das Mulheres e Direito à Comunicação e colaboradora da Agência Pulsar e escreveu o verbete sobre a ginasta Daiane dos Santos. Edição: Filipe Cabral

terça-feira, 30 de abril de 2024

Humanidade Baixa

“O planeta ficou doente porque está com a humanidade baixa!” (Mafalda) Há muito tempo venho refletindo sobre as nossas atitudes em relação as misérias e tragédias humanas do cotidiano. A indiferença se tornou tão comum, que não conseguia conceituar as cenas, as situações envolvendo os seres humanos diante das mazelas sociais. Ao me deparar com a tirinha da Mafalda - personagem do cartunista argentino Quino - nas redes sociais e a frase que ilustrava a imagem, a qual usei para dar início a este artigo, entendi o significado das situações que rotineiramente protagonizamos e presenciamos. Cada vez mais as cenas de pessoas vivendo em condições subumanas como as pessoas em situação de rua, mendigos, crianças trabalhando em sinaleiros, usuários de drogas em espaços públicos perambulando como zumbis, pessoas idosas, deficientes físicos em dificuldades, são naturalizadas e invisibilizadas. É como se fosse normal a convivência com estas situações. Não nos sensibilizamos e nem nos incomoda ver as condições de sofrimento pelas quais estas pessoas vivem. Estando dentro de um carro com os vidros fechados, assistimos indiferentes a mais um pedido de ajuda, ou a venda de doces ou outros tipos de mercadoria. Agimos como se não tivesse ninguém a nossa frente ou do nosso lado. Nosso olhar perdeu a capacidade de enxergar o que aparentemente não nos diz respeito! Chegamos ao cúmulo da indiferença com o sofrimento dos outros, ou com a condição de pobreza e miséria vivida pelo nosso próximo, que fazemos coro as vozes insensíveis e que criticam quem se sensibiliza e colabora para minimizar o sofrimento desta parcela da sociedade. Conseguem marginalizar ainda mais os empobrecidos e já marginalizados pela sociedade, aumentando o fosso da desigualdade e negligenciando o fato de que a falta de políticas públicas, de educação, de trabalho digno, de políticas de segurança alimentar são fatores que empurram as pessoas para esta condição desumana, subumana. E assim, o nosso olhar anestesiado, a nossa conduta negacionista da realidade vão moldando uma sociedade que nega a própria humanidade preconizada pelo líder supremo do cristianismo. Está preocupada demais em defender verdades absolutas e colocá-las acima da vida humana. Cada vez mais se distancia do que nos faz diferentes dos outros primatas, a nossa humanidade! A frieza com que agimos frente a exterminação dos povos originários, ao genocídio de crianças palestinas, do povo afegão, com a violência e morte de mulheres mundo afora, com a violência e morte de pessoas lgbtqiapn+, com a fome, as guerras fomentadas pelo comércio de armas e o tráfico de pessoas. A ganância cega que empurra o nosso planeta para um caminho sem volta dá a dimensão do quanto às pessoas estão desumanizadas, a mercê daqueles que usam o poder em desfavor da Vida! A medicina nos ensina que adoecemos quando a nossa imunidade baixa. De fato, Mafalda tem razão, quando lembra que o nosso planeta está doente porque nossa humanidade está baixa! Humanidade baixa Geralda Cunha Radialista, jornalista, mestra em educação e ativista em Direitos Humanos

Sororidade

Vamos falar de um termo que se tornou muito comum quando se trata de movimento feminista: Sororidade. Afinal o que significa? O termo vem do latim Soror que significa irmã. Qual a importância da irmandade entre as mulheres? De exercitar a empatia, de se colocar no lugar da outra e entender sua dor, seus dilemas, suas vulnerabilidades numa sociedade estruturada no patriarcado e no machismo? A irmandade baseada na sororidade parte do princípio da capacidade de uma mulher compreender a outra sem pré-julgamentos, colaborando para a superação dos estereótipos preconceituosos criados por esta sociedade que teima em naturalizar as violências sofridas, sejam elas psicológicas ou físicas, que reproduz valores machistas que submetem nós mulheres, a todo tipo de violência. O patriarcado nos deixou um legado de construção social em que os homens foram educados para a competição no mundo dos negócios, da política, para o mundo público, enquanto as mulheres foram e ainda são educadas para o mundo da casa e da submissão ao homem. Neste modelo social, as mulheres vêem as outras como opositoras, concorrentes! Esta cultura é extremamente tóxica e faz com que ainda hoje, após tantas lutas e conquistas, nos vemos em conflito com outras mulheres, e o que é pior, reproduzindo estereótipos construídos pelo patriarcado, ainda que este modelo reforce a conduta de um agressor, um violentador, um autêntico machista, misógino, que não respeita as mulheres e as vê como objeto, propriedade e extensão sua! Os casos recentes envolvendo personalidades do mundo do futebol expuseram esta visão machista de forma assustadora! Inúmeras pessoas, inclusive mulheres, saíram na defesa do agressor famoso, utilizando os argumentos que reforçam os preconceitos contra as mulheres, desacreditando-as, não levando em conta a situação de fragilidade que se encontra a mulher vítima da violência sexual! Felizmente um movimento contrário, que garante os direitos das mulheres, criou um protocolo que identifica mulheres em condição de vulnerabilidade, como aconteceu no caso Daniel Alves. A atitude do segurança da boate local, que tinha conhecimento do protocolo e o colocou em prática, foi fundamental, possibilitando a prisão do jogador e os desdobramentos do caso, que é de conhecimento público. Ao refletir sobre a prática da sororidade, convido minhas irmãs a se espelharem nas histórias de nossas ancestrais benzedeiras, parteiras, nossas avós, mães, tias e irmãs que em um tempo não muito distante, e ainda hoje muito comum na região Norte do Brasil, onde o acesso ao serviço médico é muito difícil, se constituíam e constitui na rede de apoio de outras mulheres que cuidavam e cuidam umas das outras. A superação do patriarcado e a conseqüente superação da violência contra as mulheres, dos altos números de feminicídios e estupro, passa por esta reconexão com a história das nossas ancestrais. É fundamental praticarmos a empatia, a sororidade umas com as outras. Qualquer que seja o nosso lugar: de mulheres negras, indígenas, brancas, crianças, idosas, ricas, pobres, intelectuais, de periferia, ou que ocupam espaço de poder! A sororidade só tem sentido se exercida em sua plenitude, acima de todas as diferenças. Sororidade seletiva não é sororidade!